folha #008

24 de Setembro de 2019

«Virtuosos, só eles sabem distinguir o Bem do Mal – anjos de fralda mijada.»

CONSIDERANDO QUE

1) É desconhecido o endereço da salvação onde se filiaram os impolutos.

                               1.1) (À cautela: poucas coisas há mais contaminadas no nosso tempo do que um moralista aos berros).

                2) De sem qualidades a requalificada, da primeira à décima água, terrestre ou aquática, um leilão de adjectivos derredor grita nas feiras: poética para todos os desgostos.

                               2.1) Peixinhos com o anzol ainda no gargalo, florações adubadas, espécies bravias.

                               2.2) E a belicosa fauna dos mercadores, que também é poética.

                3) A clientela, no seu zigue-zague de sombra à procura de nutrir-se, enche o cesto de crítica e, dando por si mordida na nádega, regressa eloquentemente ao seu desemprego.

                4) Os fenómenos semanais cumprem o expediente em turnos rotativos.

                5) Os marginais vão arejar o exílio à paragem de camioneta, entretendo-se a escrever setenta vezes sete vezes nas paredes o seu nome.

                               5.1) Uns endiabrados chegam e desenham genitálias em torno dos autógrafos.

                               5.2) A rebeldia fecha a barraca, dirige-se à junta e exige serviços mínimos para lavar não as paredes, mas o seu bom nome.

                               5.3)

                               5.4) Lamber o reflexo ao espelho não constitui nenhuma forma de delinquência.

                               5.5) Vandalizar com pureza também não.

                               5.6) A camioneta continua atrasada.    

                6) Hóstia, ópio e vinho nos aguardam no púlpito da guerrilha.

                               6.1) Não se justifica a glória das montras com as colheitas em crise.

                               6.2) Não brotaram couves nem nabos nem cenouras, nenhuma espécie hortícola, da plantação de tratados.

                               6.3) Consagração é fome e ritual: (confessemo-lo).

                7) Gritando de cio, desabam os telhados.

                               7.1) Salvemo-nos a todos, comendo-nos uns aos outros.

A POESIA VAI ACABAR ALIÁS

ESTÁ PARA ACABAR DESDE QUE COMEÇOU

Leonardo

Ponta Delgada, Setembro de 2019

A fortalecer muralhas contra os distraídos e os imbecis:

Vitorino Nemésio: Sob os Signos de Agora / Conhecimento de Poesia.

Álamo Oliveira: Contos contados.

José Manuel Teixeira da Silva, texto, Ana Abreu, ilustrações: Sombramar.

Vasco Medeiros Rosa: Raul Brandão e os Açores.

Carlos Alberto Machado: Hotel dos Inocentes.

Maria Graciete Besse: João de Melo. Entre a memória e a perda.

Nuno Costa Santos: Morrer é não ter nada nas mãos.

Pedro Eiras: Museus.

Para o mês que vem há mais.

Estamos vivos – escusam de empurrar.