O tempo e o sagrado. Deuses do deserto e deuses da floresta
António Vieira
O tempo e o sagrado – Assim se concentram, num polo da natureza divina, os Deuses ‘severos’ do deserto e, no outro polo, os deuses ‘frívolos’ da floresta, que condescendem com a beleza, a crueldade e a iniquidade, ao fazerem constar (nos seus textos) que o mundo é ilusório. (…) Nuns, o tempo fecha-se sobre a premeditação de um destino; nos outros, abre-se sem limite, em puro esbanjamento de energias e formas, abolindo começo, meio e fim.
ENCOMENDAS e VENDA DIRECTA – pedidos para: companhiadasilhas.lda@gmail.com
Excerto
(…)
Assim, onde o Deus de Israel oferece aos humanos, descendentes e herdeiros do precário Adama, direitos absolutos sobre as outras criaturas, hipotecando a natureza em favor do seu golem saído das lamas, os deuses da Grécia mudam a seu bel-prazer os humanos em animais e plantas e, na Índia, humanos e não-humanos permutam-se e sucedem-se ao fio longo das gerações.
A índole dos deuses é como um reflexo do ambiente que os rodeia. A inclemência das divindades desérticas estampa e reflecte a inclemência da paisagem, os rigores do ambiente, a escassez dos meios; e a sede justiceira destes Deuses reflecte a sede insaciada dos homens que os suscitam. – Como haveria lugar para um deus dançante no cenário extremo em que a sombra escasseia?
Perante a curva fechada da flecha do tempo, o Deus de Israel apressa-se, anima e adverte, incita e ameaça os do seu povo, sua ferramenta. Multiplica os recados, pela boca de anjos e profetas. Este zelo, este furor, pertencem ao campo semântico do cansaço que logo acompanhara a obra da Criação, e do desgaste do universo instaurado. E o Livro centra-se na história de um povo e de um cosmos encerrados num tempo finito e marcados por um destino escatológico.
Eis um Deus que não poderá tornar-se ocioso sem se negar. Conquanto se estranhe o seu silêncio a partir de um certo tempo, durante os ‘cativeiros’ sucessivos que acompanharam a história dramática do seu povo, mesmo além da Antiguidade – na Europa da Idade Média, na Modernidade, e durante o breve e infame império nazi.
(…)
Nota de leitura