Noizz

Rui Baião

Rui Baião, escritor nascido em 1953 (Lisboa), para além da obra literária como poeta – em que se destacam os livros Aqueduto (& etc, 1985), Maligno (frenesi, 1991), Nuez (com Paulo Nozolino, frenesi, 2003) e bone lonely (com Paulo Nozolino, Steidl – Göttingen, 2011) – partilhou com Al Berto e Paulo da Costa Domingos a organização da antologia de referência Sião (frenesi, 1987).

Os sinais que a sua escrita patenteia são os de uma realidade cataclísmica, que tanto pode remeter para uma “estética” musical noise como para a tentativa frustrada de sintonização de um emissor de rádio. De um outro ângulo, o estritamente sociopolítico, está-se perante um decalque e arrancamento brutal da linguagem usada nos hodiernos simulacros de comunicação e entendimento em sociedade. Nisto, toda a sua obra se tem mostrado de uma coerência estilística não-negociável, que Noizz vem confirmar.

 

 

Excerto

de cabeça perdida para baixo. diz respeito
a todo o condomínio. a cartada
aí ao trâmite. a completa desonra
a que a semântica chegou. em boa morte
tal sorte consensual de risada fácil
em lume brando. uns peixes em carne viva.
flutuam fora de portas. a lendária ara se
os indícios fossem. figuras tristes certos
vícios nem que às nove em ponto. o voo
rasante dissesse ao emaranhado. rio acima
rio abaixo. sem ser por mal. a leve rispidez
de mariquinhas pé de salsa. de um momento
para o outro um segredo colorau. uns gritos
à luz dos obstáculos. uns artolas do caralho.

Nota de leitura

Não é recente, nem fácil de explicar, o silêncio quase total em torno da obra de Rui Baião (por ironia, um dos responsáveis pela mais significativa antologia de poesia portuguesa publicada nos anos 80: Sião, Frenesi. 1987). Talvez o seu registo incomode, de tão avesso que é aos padrões líricos mais em voga, ou se revele felizmente impróprio para manuais escolares e outros planos nacionais de alfabetização. Deixando de lado essas considerações, Noizz é sem dúvida o melhor livro de poesia portuguesa que li, até agora, em 2016. Rude, ferozmente elegíaca. Esta escrita não se presta a qualquer tipo de vassalagem: «Um dístico e um par de nervos./ I é mesmo assim/ Assim assim,// esta solidão a dois.» Ela parte, pelo contrário, do «joio do pânico» para condenar – e contrariar, se possível – a barbárie concreta dos dias, escudando-se em elipses e assonâncias de rara contundência: «Distantes – todos os anos, todos// os danos Os dias, cães danados// Não perdoam um foragido.» Toma-se evidente a falta de sabor das coisas, dessas ruínas incessantes que as fotografias reproduzidas neste livro magnificamente corroboram e iluminam: «O horror/ não sabe a nada.» Dito de outro modo, estes poemas e imagens, numa assumida e veemente continuidade, confrontam-nos com uma atitude de agressão e de recusa que está nos antípodas da “bela poesia”, cantável e mansinha. Nisto reside, em boa parte, a aspereza singular da escrita de Rui Balão, que não se coíbe de claros impropérios contra «artolas do caralho» ou contra «o vão tormento» de estar vivo. Recorrendo a uma comparação imprópria, Noizz mais facilmente nos lembraria John Zorn do que Art Pepper, embora ambos tenham optado pelo mesmo instrumento. O vento é de quem o assina, como nos ensina esta «Fenda toda fogo verde fode» que não desistiu ainda de nos deslumbrar.

[Manuel de Freitas, revista E do jornal Expresso, Sábado 5 de Março de 2016 – 4 ****]

Ficha Técnica

ISBN: 978-989-8828-01-9

Dimensões: 14×22cm

Nº páginas: 68

Ano: 2016

Nº Edição: 75

Coelcção: azulcobalto 034

Género: Poesia

PVP: 12 €

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