“aos que chegaram depois” / a vida e o seu duplo
Ramiro S. Osório
QUAL É A SINTOMATOLOGIA DESTA ANTOLOGIA?
Nunca me passaria pela cabeça auto-antologiar-me. Passou pela de alguém um projecto que não foi realizado. Este livro é uma conclusão (parcial?) do meu objectivo nesse projecto: tentar identificar o que é que identifica a poesia que escrevo. Encontrei o que me parecem ser duas paredes mestras que criam uma dualidade.
Tal como o meu livro de estreia na Companhia das Ilhas (Ao Largo de Delos) assenta na dualidade de duas Grécias (Grécia-Luz / Grécia-Treva), neste novo livro, a dualidade volta a estar presente, e cria tensão entre dois Ramiros: o da vida e o do duplo da vida chamado literatura. Eu sou (malgré-moi?) o sujeito e o objecto de (pelo menos) essas duas paredes mestras. Sou aquele que dedica o que escreve “aos que chegaram depois” e sou aquele que escreve que não quer escrever, mas sim viver. Como se escrever não fosse viver! (E não é.) “- Não é nada de bom-tom o sujeito (quem escreve) ter-se como objecto (do que escreve). Não é nada de bom-tom escrever o cântico de si próprio.” Eu sei. Mais chamo literatura à que nada tem a ver com bom-tom.
Ramiro S. Osório
Excerto
(…)
com 18 anos
ganhou então o circuito de Indianápolis de motocicletas
e suicidou-se um ano mais tarde
num desastre de avião
espalhando antes por toda a parte
os poemas pela janela
nunca se puderam encontrar nem poemas nem avião
mas o meu corpo no sol dum terraço
é considerado hoje em dia como o maior poeta morto
(12.2.66)
Nota de leitura