Agosto

Sarah Adamopoulos

Ao súbito e misterioso desaparecimento daquela manhã seguiram-se dias de grande escuridão. Depois de cumprida a noite de sempre, em toda a sua tessitura de sombras, à hora em que outrora sobrevinha a claridade nascente da manhã o lugar reanoitecia. Os dias evoluíam doravante da noite para a tarde, e novamente para a noite, numa sombria sequência de momentos. Até que um dia, como se não bastasse tanto negrume, uma vez mais naquele tão estranho Agosto a máquina dos dias foi desconsertada, e a noite deu lugar à noite, e de novo à noite, apagando-se ali também a tarde, e com ela toda a luz que um dia continha. Felizmente, e ao que parece, tudo tem uma explicação.

 

Excerto

Se ainda no ano anterior o vizinho tinha ido de férias, aquele Agosto circunscrevera-o à sua nova pobreza, que embora não sendo talvez verdadeiramente nova para o vizinho, nascido nela, ou perto dela, como a maioria dos dali, havia subido na vida e conseguido deixá-la para trás. Pensava ele tê-la aí deixado para sempre, eis senão quando aquele “Governo de meninos” o havia arrastado de novo para “a porca da miséria” como se pela lama suja. E o vizinho, que já havia sido “um senhor”, era outra vez “ninguém” – que assim se dizia dos que embora, e como todos, sendo alguém, eram ninguém para os severos materialistas dali. Quando subia pesadamente as escadas, o vizinho não subia sozinho: com ele subia aquela derrota, e o séquito de malvados que lha lembravam e censuravam, agarrados aos pés dele como lapas da ruindade nacional. Um dia, ia eu a sair, abri a porta e vi o vizinho e todos esses que subiam com ele a passar pelas escadas como se se dirigissem a um enterro. O vizinho olhou para mim e vi no seu olhar um teatro de guerra totalmente devastado, nele jazendo já frios os soldados do vizinho.

Nota de leitura

Ficha Técnica

ISBN: 978-989-9007-95-6

Dimensões: 14x22cm

Nº páginas: 96

Ano: 2023, Fevereiro

Edição: # 282

Colecção: azulcobalto  # 116

Género: Ficção

PVP: 16,50 €

Autor