A matriz e o canto oposto

Manuel Fernando Gonçalves

A poética de Manuel Fernando Gonçalves, sendo exercício de lucidez, é naturalmente uma poética do sentimento vigiado pela razão, de uma profunda ambiguidade desenhada na conturbada relação do sujeito com as palavras. Uma transmutação da linguagem comum, intensificada pela ironia que pressupõe a anulação da matriz confessional, apesar do uso reiterado da primeira pessoa. Coerência, coesão temática, excelente encadeamento na construção, boa cadência, emoção concentrada, caracterizam, sobremaneira, este poeta.
[Teresa Martins Marques]

 

Excerto

“De bicicleta em direcção ao sol”
Quando a tarde cai, aos tropeções,
do sol indiferente, resiste ainda
o corpo frio, a luz rebelde que vem
dos olhos a fingir ironias e desmandos.
Luz sincera e itinerante à procura
de não se magoar, mesmo se rebenta
no tinteiro das emoções, na mão
discreta, na mais desprevenida mão
que ousa tocar o sol. Se é tarde,
e nada marca a sombra do alento,
que torpor define os ritmos, a rara,
feliz agonia das tardes libertas,
nesse tempo em que as cidades cantam
e se compõem para a festa? Não é
gradual o desgosto: os frutos ficam
podres devagar mas essa incandescência,
a que uns chamam por nomes estranhos:
a surpreendente paixão, amor cálido,
o desejo irresistível, esse movimento
incerto não cresce, não reduz o núcleo,
não simplifica o absurdo, é inexacta.
Que não restem surpresas. É tudo
muito evidente: no que se lê.

 

Nota de leitura

Ficha Técnica

ISBN: 978-989-8592-32-3

Dimensões: 11×15

Nº páginas: 68

Ano: 2013

Nº Edição: 27

Género: Poesia

PVP: 10 €

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