Varanda de Pilatos / A Casa Fechada.
Vitorino Nemésio
Depois de publicado o volume que contém a única peça de teatro e os contos de Vitorino Nemésio — Amor de Nunca Mais (1920), Paço do Milhafre (1924) e O Mistério do Paço do Milhafre (1949) —, chega agora a vez da colecção Obra Completa de Vitorino Nemésio acolher o primeiro romance publicado pelo autor, Varanda de Pilatos, e as três novelas por ele reunidas no volume A Casa Fechada.
Varanda de Pilatos foi publicado, pela primeira vez, em 1927. As três novelas, reunidas no volume A Casa Fechada, foram publicadas dez anos depois, em 1937.
Varanda de Pilatos teve alguns títulos provisórios como por exemplo O Meu Nome é Venâncio, O Curioso Adolescente ou ainda Um Rapaz que era assim. É um romance claramente de aprendizagem e autobiográfico, narrado na primeira pessoa, o que não foi do particular agrado para a crítica dominante à época. Já A Casa Fechada colige as novelas O Tubarão, Negócio de Pomba e A Casa Fechada.
OBRA COMPLETA DE VITORINO NEMÉSIO – Parceria Companhia das Ilhas – Imprensa Nacional. Direcção Literária de Luiz Fagundes Duarte
A Obra Completa de Vitorino Nemésio é destinada a um público vasto, em que cada volume é revisto e apresentado por um especialista na matéria. A Companhia das Ilhas e a Imprensa Nacional dão assim um contributo decisivo para a divulgação e o conhecimento da obra de um dos escritores que ficará para a história da literatura portuguesa do século xx: Vitorino Nemésio.
Excerto
Quando minha mãe me acordou, o dia despontava. Uma luz cor de anil, desta que não força o casulo negro da noite mas subtilmente se escoa pelos fiapos das nuvens, tingia a claraboia do meu quarto, a qual, de vidro fosco, parecia subir ao céu como um caixão de menino. E, roufenhos, no nosso poleiro e nos vizinhos, cantavam os galos tão chocamente a alvorada que a rede da névoa e a do canto pareciam fundir-se numa.
— Anda, Venâncio! — disse minha mãe, ao sacudir-me. — Não durmas, que o Trigueiro ficou de vir às seis em ponto.
Era o dono do carro que nos levaria à Cidade, para onde eu ia estudar. E, à voz de minha mãe, mais suave que nunca naquele dia, comecei por erguer a vira do lençol, dispondo-me a saltar. Mas o sono, a teimosia dos galos corneteiros e a mágoa de me ir, detiveram-me; virei-me caramunhando na cama até que meu pai se acercou:
— Mexe-te, homem de Deus; mexe-te, que são horas!
(…)
[Varanda de Pilatos, cap. 1]
Nota de leitura