Quase um Carimbo
Leonor Sampaio da Silva
Autora premiada e multifacetada, Leonor Sampaio da Silva tem habituado o público a textos de gosto híbrido, onde humor, erudição, lirismo e ironia se entrelaçam num timbre seguro e peculiar. Com quase um carimbo poderíamos ser levados a pensar que o pendor lírico fosse favorecido – e não deixa de o ser em alguns momentos -, mas a verdade é que o conduz um fio irónico levando avante um exercício de teatralização do sujeito que o confirma como entidade plural(izável). A realidade serve-lhe sincronicamente de palco, bastidor, público, didascália. Reside nisto uma curiosidade escarnenta da nossa condição: para se conhecer, o sujeito precisa de ser actor de si mesmo, só pode realizar a sua aproximação do mundo por via de ficções e modos de representar a que o universo das artes serve de espaço privilegiado de meta-referência. A sua acção e, nisto, a sua realização, interrompe qualquer contemplação. Por sua vez, a contemplação impede-o de se realizar.
Excerto
quase um carimbo —
eis o que nos faltou
para certifi car os dias
a que demos colo
ao nascer.
Nota de leitura