O Centenário da Colectividade | Abril… Abril…
João Bilou
O Centenário da Colectividade, criado no âmbito das comemorações do centenário da S.O.I.R., alia a história desta colectividade à história do país, enovelando as vidas dos seus sócios com a vida do país, num inventivo jogo entre o teatro documentário, a colagem lírica e uma escrita teatral de pendor épico. Assim, de forma dinâmica e intrincada, através de episódios da vida da referida colectividade, vão-se desfiando alguns dos momentos mais significativos da vida do país, do Alentejo e, em particular, da cidade de Évora. Por ali se interrogam as assimetrias sociais da cidade no início do século e do papel que a S.O.I.R. desempenhou para as corrigir; o fim da monarquia; a instauração da República; a Primeira Guerra Mundial; a opressão e sobrevivência durante o Estado Novo; a Guerra Colonial; e, depois, se revela o entusiasmo pelo mundo novo que se anunciava com o 25 de Abril de 1974. Tudo isto intercalado e comentado com passagens/excertos de espectáculos apresentados pela S.O.I.R. durante todo o século.
Abril… Abril… retoma o mesmo fôlego e os mesmos procedimentos narrativos, direccionando o texto mais especificamente para “as portas que Abril abriu”. O tom é de celebração e de comemoração mas sente-se também um fino traço nostálgico pelas promessas e utopias ainda incumpridas, mesmo depois de três décadas (então, em 2004) de vida em democracia. Uma nostalgia geracional, sem dúvida, mas uma nostalgia que não empurra para o desencanto – antes obriga a um não baixar dos braços e a voltar à rua.
[Rui Pina Coelho]
Excerto
1.º Actor ou Actriz:
1 de Fevereiro de 1908. A Família Real regressa, à tarde, de Vila Viçosa. O barco atraca no Terreiro do Paço e o grupo toma (começa a ouvir-se o som de uma carruagem com os cavalos a trote) uma carruagemque leva a dupla capota aberta. Na esquina com a Rua do Arsenal, um homem salta para o estribo e desfere dois tiros de pistola nas costas do Rei. (Ouvem-se dois tiros, vozes e ruídos de luta.) Outro vulto, surgido da arcada, alveja com uma carabina o Príncipe Luís Filipe. O seu nome é Alfredo Costa, de vinte e um anos, caixeiro, sindicalista, republicano; o homem da carabina é Manuel Buiça, professor, também republicano, ambos carbonários, talvez pertencentes à mesma loja maçónica, são ambos liquidados a tiro e à espadeirada pela Guarda Real.
O Rei está morto, o Príncipe Real agoniza. É a Monarquia que está moribunda.
2.º Actor ou Actriz:
Rei morto, Rei posto. É aclamado D. Manuel II, mas a sua história será a de um rei breve, a braços com sucessivas crises, num país dividido entre o Norte católico e conservador e o Sul liberal e reformista.
Escuro.
Nota de leitura