Não te abandonarei, meu corpo.

Mário T Cabral

Reflexões de um canceroso

 

O relato autobiográfico contido neste livro – como fica, porventura, explícito no diário que o integra –, termina, por decisão do autor, aos primeiros dias do Outono de 2015, quando concluíra todos os tratamentos e lhe fora agendada a primeira consulta para acompanhamento de rotina bimensal. O cancro tinha desaparecido.
Nessa altura, também os familiares e amigos imaginavam Mário Cabral “velhinho”, mestre de “orelhas grandes”, a continuar a ensinar e a fazer as suas artes “com a ajuda de um assistente”.
No entanto, já depois da organização dos textos que dariam forma a Não te Abandonarei, Meu Corpo, a doença regressaria, primeiro afectando-lhe a coluna e, mais tarde, os pulmões, conduzindo-o à morte prematura em Agosto de 2017. Tinha 54 anos, a mesma idade com que o pai falecera da mesma doença, como referido pelo autor, com o desassombro que marca toda a obra, logo nas primeiras páginas.
Este livro, dividido em duas partes, uma primeira em forma de exposição do seu caso pessoal e uma segunda compilando ensaios breves mais ao registo habitual do autor, oferecem como poucos a sensação de estarmos a privar também com o homem: a partilhar, não só do seu quotidiano, mas também da sua extraordinária cultura, sensibilidade e singular visão do mundo.
Os poemas “Voto de Pobreza” e “Milho Verde de Julho”, referidos no texto “Os Fortes e os Fracos”, foram reunidos com outros da mesma temática e período, por escolha dos editores, num volume autónomo, sob o título Poemas do Hospital.
Alexandre Borges – “Nota editorial”

 

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Excerto

E PORQUE NÃO A MIM?
Uma das reacções mais comuns em situações como esta, em que as pessoas se pensam atingidas por uma fatalidade, é a seguinte exclamação indignada: «Porquê a mim?» Não se deve dar força a este sentimento, que revela egoísmo e, como tal, uma tendência para a inconsciência e para a infelicidade.
Sugiro o exercício contrário, baseado na pergunta: «E porque não a mim?» Quando o meu caso começou, minha prima Natal gostava de repetir a resposta que o filho lhe dera, ao saber do facto; ao telefone com a mãe, o Miguel exclamara:
− Ao primo Mário?! Mas ele é um homem de Deus! Há de correr tudo bem porque ele é um homem de Deus.
Apetecia-me abraçar o Miguel pela ternura do comentário, tão fácil de refutar em termos filosóficos e teológicos. Se as pessoas religiosas não tivessem cancro, então não haveria ateus no mundo e a relação dos homens com Deus ficaria, esta sim, contaminada de morte.
E porque não haveria eu de ser apanhado por um cancro? Não tenho eu um corpo que funciona como todos os corpos humanos, seguindo as leis da física e da biologia? Que há de especial em mim para que não possa adoecer e morrer? Meus pais morreram de cancro − o meu é análogo ao de meu Pai, que permanece o meu herói. Se o meu herói morreu porque não poderei eu morrer, também? Platão morreu, Aristóteles morreu, Dante morreu, Hildegarda von Bingen morreu, Bach morreu, Chagall morreu, Elizabeth Anscombe morreu… Quem sou eu para não me acontecer o mesmo? (…)

Nota de leitura

Ficha Técnica

ISBN: 978-989-9154-49-0

Dimensões: 14x22cm

Nº páginas: 172

Data: 2024| Novembro

Género: Auto-biografia | Crónica

Edição: # 337

Colecção: Obras de Mário T Cabral #010

PVP: 18 €

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