Morrer É não Ter nada nas Mãos
Nuno Costa Santos
Morrer É não Ter nada nas Mãos é o terceiro livro de poesia de Nuno Costa Santos e traz em epígrafe versos tirados dos Poemas Quotidianos, de António Reis, que significam todo um programa: “Eu não voo/ando/ quero que me oiçam”. E o que se ouve é uma poesia que a um céu majestoso prefere o caminho dos dias e das pedras. Se morrer é não ter nada nas mãos, viver é ter uma caneta para escrever. Sobre o desordenamento urbano e a vontade da ilha. Sobre a ironia, a beleza, os deuses, o striptease, as carraspanas de juventude e uma guerra colonial tóxica e igualmente mortal. Sobre as mãos, os amigos, a mesa e a poesia, essa questão que a linguagem tem com a vida. Cada poema pede uma forma própria, como se cada assunto e cada tópico exigissem um modo próprio de se desenrolar.
Imagem da capa: Jorge Aguiar Oliveira.
Excerto
Nomes da minha rua
Exausto do meu departamento de ironias e sentimentos
espreito a partir da janela aqueles que caminham nas ruas
como folhas de jornal a quem ninguém dedica uma palavra:
duas professoras que transportam batas
e ontem transportavam bibes,
um homem de calções vermelhos a segurar
uma mala de metal onde poderia caber a vida do bairro,
uma vizinha protegida do inocente frio de Fevereiro ao qual
o noticiário empresta má fama,
os fantasmas de famílias que por aqui passearam
ao longo das décadas,
hoje abrigadas em álbuns escondidos
num sótão que só um empreiteiro irá visitar.
Prometo acompanhar-vos neste dia
injusto para os vossos passos
e volto para dentro e sento-me em frente à máquina
e sei que amanhã, à mesma hora, junto à janela,
vou nomear os vultos que todas as manhãs
dão nomes à minha rua.
Nota de leitura