Jorge Patego ou O Marido Humilhado
Molière
Esta peça tem dois protagonistas − um contra-senso −, embora o título seja Jorge Patego. Na verdade, o protagonista é uma dupla, uma verdadeira unidade de contrários, um “casal” impossível à luz das aspirações de uma e de outro − no entanto, pela via da sobrevivência de uma classe arruinada (pequena nobreza provinciana) e do desejo de estatuto de outra, entretanto ascendida (burguesia rural nova rica), o encontro dá-se sob a forma de negócio e alguma diplomacia.
O que importa reter é que a luta de classes, que fabrica um momento de conciliação no casamento, é uma luta entre duas “culturas” inconciliáveis. E isso nos modos formalizados de trato a que Patego é obrigado pelos sogros, mas sobretudo, de modo demonstrativo na peça, na irredutibilidade da posição “feminista” de Angélica em contraponto com a resiliente obsessão de Patego em selar a sua ascensão e proclamá-la − de “bandeira” sonhada passa a paranóia durante a peça, o seu “erro” persegue-o, parte-o ao meio: «mais valia ter casado com uma camponesa», pois em caso de infidelidade «dar-lhe umas pauladas» seria legal. [Fernando Mora Ramos, encenador
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Excerto
A cena passa-se em frente da casa de Jorge Patego.
I ACTO
CENA 1
JORGE PATEGO: Ah! Como uma esposa fidalga é um estranho negócio e como o meu casamento é uma eloquente lição para todos os lavradores que querem elevar-se acima da sua condição e aliar-se, tal como eu fiz, à casa de um fidalgo! A nobreza em si é boa, é uma coisa respeitável, certamente, mas vem acompanhada de tantas más circunstâncias, que muito bom seria nem ao de leve por ela nos roçarmos. Aprendi-o às minhas custas e conheço os modos dos nobres quando nos deixam, a nós, entrar na sua família.
É pequena a aliança que fazem com a nossa pessoa. São só os nossos bens que eles desposam e eu teria feito melhor se me tivesse aliado a gente boa e franca da aldeia do que ter tomado por mulher alguém que cuida que é mais do que eu, se ofende por usar o meu nome e que pensa que, com toda a minha fazenda, não cheguei a comprar a qualidade de seu marido. Jorge Patego, Jorge Patego, haveis feito a maior asneira deste mundo. A minha casa agora mete-me medo e nunca lá entro sem me deparar com alguma contrariedade.
Nota de leitura