Textos para teatro (2011-2018)

Edição em parceria com o TEP-Teatro Experimental do Porto

Prefácio de Magda Bizarro

Estes textos foram escritos, na sua maioria, no convívio electivo com o TEP – Teatro Experimental do Porto. São textos que foram dando voz a um projecto dramatúrgico que fomos ensaiando em quase uma década de trabalho. Dito isto, e não obstante a especificidade do contexto de origem de cada uma destas peças, são também textos que nascem a montante e que espero que possam viver a jusante das suas circunstâncias de génese. É por isso que os textos surgem aqui sem datas de estreia ou referências completas às suas equipas de criação dos espectáculos. Gostava que se pudessem libertar delas. Não lhes exijo nem espero uma segunda vida, mas não gostava que este volume fosse entendido como um cemitério de memórias e espectáculos passados.

Rui Pina Coelho

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Excerto

Lavai os olhos.
Lavai os olhos. Sem pressa. Calmamente.
Devagar.
Mas lavai os olhos. Deixai-vos chorar. Que um rio salgado vos inunde as faces e que esse sabor salso vos ataque o palato. Que vos excite a língua.
Lavai os olhos
Engoli em seco e deixai que as lágrimas se possam depositar no vosso pobre e seco corpo.
Deixai que as lágrimas engolidas vos possam animar. Que essa bebida involuntária vos possa salvar.
Salvai-vos.
Lavai os olhos.
Degustai o sal expelido pelo vosso olhar triste e, depois, sem pressa, calmamente, devagar: cessai de chorar.
Lavai os olhos e cessai de chorar.
Deixai agora que uma voz (esta voz?) vos atravesse o pensamento.
Não a torneis uma coisa estrangeira. Não a torneis uma ideia que se vem refugiar entre as vossas ideias. Algo que se acerca de vós para vos fazer explodir.
Não. (Esta ideia já aqui chegou estafada. Não lhe queirais mal)
Deixai que uma voz vos atravesse o pensamento como um pastor conduz o seu rebanho por entre a paisagem: simultaneamente atento e desinteressado de tudo. Simultaneamente atento ao seu rebanho e desinteressado do resto da vida.
Tornai esta voz uma vossa irmã. Uma camarada que não vos larga a mão.
Simultaneamente parte de vós e coisa outra.
Uma irmã.
Uma irmã sentada na escuridão.
Uma irmã sentada na escuridão em silêncio.

(…)

LAVAI OS OLHOS (2018)

Nota de leitura