A Persuasão e a Retórica

Carlo Michelstaedter

A 17 de Outubro de 1910, Michelstaedter enviou a sua tese recém-concluída para a Universidade de Florença. A tese, intitulada A Persuasão e a Retórica, viria a ser um dos mais importantes e enigmáticos tratados filosóficos do pensamento italiano do século XX.
«Michelstaedter expõe o desenvolvimento da civilização, que priva o indivíduo da persuasão, isto é, da força para viver plenamente na posse do seu próprio presente e da sua própria pessoa, sem se deixar consumir pela espera de um resultado que está sempre por vir, que nunca “é”. Os homens vivem apenas o “entretanto”, esperando que a vida chegue e queimando-a na espera, esperando que – como diz a bela canção veneziana recolhida por Michelstaedter – “as pedras se tornem pequenos pães” e “a água se torne champanhe” e, sobretudo, “esperando/ que chegue a hora/ de partir a uma hora má/ para não mais esperar”. (Claudio Magris)

 

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Excerto

Sei que quero e não tenho aquilo que quero. Um peso pende de um gancho, e pendendo sofre por não poder descer; não pode sair do gancho, porque o que é peso pende e o que pende depende.
Queremos satisfazê-lo: libertamo-lo da sua dependência; deixamo-lo ir, para que sacie a sua fome do mais baixo, e desça independente até onde o contente descer. — Mas não o contenta deter-se em nenhum ponto que alcance e quer continuar a descer, porque o ponto seguinte é ainda mais baixo do que aquele que uma e outra vez atinge.
E nenhum dos pontos futuros será de molde a contentá-lo, sendo embora necessário à sua vida, enquanto o espere
um outro mais baixo; mas de cada vez que se faz presente, cada ponto será para ele completamente desprovido de atracção porque já não será o mais baixo; assim em cada ponto sofre a falta dos pontos mais baixos e estes atraem-no cada vez mais: possui-o sempre uma fome igual do mais baixo, e continua a restar-lhe sempre a vontade de descer. — Porque se nalgum ponto esta acabasse e nalgum ponto pudesse possuir o descer infinito do futuro infinito — nesse ponto deixaria de ser aquilo que é: um peso.
A sua vida é esta falta da sua vida. Quando já nada lhe faltasse — mas fosse perfeito, acabado: se se possuísse a si mesmo, teria deixado de existir. — O peso impede-se a si mesmo de possuir a sua vida e não depende senão de si mesmo no que não lhe seja dado satisfazer-se. O peso não pode nunca ser persuadido.

Nota de leitura

«Michelstaedter expõe o desenvolvimento da civilização, que priva o indivíduo da persuasão, isto é, da força para viver plenamente na posse do seu próprio presente e da sua própria pessoa, sem se deixar consumir pela espera de um resultado que está sempre por vir, que nunca “é”. Os homens vivem apenas o “entretanto”, esperando que a vida chegue e queimando-a na espera, esperando que – como diz a bela canção veneziana recolhida por Michelstaedter – “as pedras se tornem pequenos pães” e “a água se torne champanhe” e, sobretudo, “esperando/ que chegue a hora/ de partir a uma hora má/ para não mais esperar”.

Claudio Magris

 

Para Michelstaedter, um pêndulo que esteja suspenso de um gancho move-se por um desejo intenso de tocar o ponto mais baixo: que seria aquele em que viria a coincidir consigo mesmo, definitiva e solarmente persuadido da sua própria. verdade. É esta a «sua fome de mais baixo». Mas entregue a si mesmo o pêndulo oscila, balança, agita-se numa interminável circularidade de movimentos, em que cada ponto que ele atinge é um ponto em que falha o ponto mais baixo que pretendia atingir. Deste modo, «sempre o domina uma igual fome do mais baixo e infinita lhe resta para sempre a vontade de descer»). Mas, se alguma vez pudesse atingir esse ponto (o ponto em que, persuadido de uma verdade única deixaria de estar submetido à oscilação do processo de persuasão, isto é, ao movimento incessante da retórica), ele deixaria de ser o que é: um peso – «quando mais nada lhe faltasse – mas fosse finito, perfeito: se se possuísse a si próprio, ele teria deixado de existir». A verdade absoluta como limite inevitável da persuasão é não apenas a morte da linguagem (ou a morte de uma linguagem dominada pela retórica) como a morte da existência humana. Mas a sua vida enquanto vida é também insatisfação absoluta, vazio radical: «la sua vita é questa mancanza della sua vita» (escreve Michelstaedter em palavras que se gravam em nós numa tragicidade fulminante). Donde, o pêndulo está condenado à oscilação (ou, se quiserem, à cultura estética dominada pela oscilação retórica): «O peso é para si próprio impedimento de possuir a sua própria vida e não depende de mais ninguém senão de si mesmo na sua impossibilidade de se satisfazer. O «peso não poderá nunca ser persuadido». O seu destino é abandonar-se ao eterno jogo das aparências e das sombras, colorido pelas manchas vagabundas da pintura impressionista, fragilizado pela derivação psicologista, impulsionado pela orgia dionisíaca de raiz nietzschiana.

Eduardo Prado Coelho

Ficha Técnica

ISBN 978-989-9154-86-5
Formato 11,5×17,5cm
Páginas 170
Data de edição Novembro de 2025
Género Ensaio

Livros nanook # 010

PVP 17 €

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