A Livraria Solmar em Ponta Delgada recebe sexta-feira 8 de Julho, pelas 18h30, a apresentação pública das OBRAS de José Martins Garcia. A colecção, integrada na Biblioteca Açoriana da Companhia das Ilhas, é dirigida pelos escritores Urbano Bettencourt e Carlos Alberto Machado.
Martins Garcia é um dos mais importantes escritores do século XX, com dimensão nacional, especialmente a partir da publicação de parte da sua obra na editora Afrodite, de Fernando Ribeiro de Mello, em meados da década de 70.
A ficção (romance e conto), tem proeminência na sua obra (mais de três dezenas de títulos), mas abordou também a poesia, o teatro e o ensaísmo, tendo neste domínio particular importância os seus estudos sobre Vitorino Nemésio e Fernando Pessoa.
Para cada volume das Obras de José Martins Garcia a Companhia das Ilhas convidou escritores e ensaístas para leituras pessoais: este ano, as aberturas de cada romance de Martins Garcia têm a assinatura de Luiz Antonio de Assis Brasil (A Fome), João Nuno Almeida e Sousa (Lugar de Massacre), e Alexandre Borges (O Medo). Para os anos seguintes estão confirmados, entre outros, Joel Neto, Manuel Tomás, Miguel Monjardino, Nuno Costa Santos, Renata Correia Botelho, Rosa Maria Goulart e Vamberto Freitas.
A coordenação destas Obras de José Martins Garcia é da responsabilidade dos escritores Urbano Bettencourt e Carlos Alberto Machado. Urbano Bettencourt (Piedade, Pico, 1949), é Licenciado em Filologia Românica pela Faculdade de Letras de Lisboa. Doutorado em Estudos Portugueses pela Universidade dos Açores, com a tese Inquietação insular e figuração satírica em José Martins Garcia (2013). Carlos Alberto Machado (Lisboa, 1954) é Licenciado em Antropologia (FCSH/UNL) e Mestre em Sociologia da Comunicação e Cultura (ISCTE). Editor da Companhia das Ilhas.
O nome de José Martins Garcia «deveria ser hoje saudado como o do escritor mais completo e mais complexo que no último decénio entre nós se revelou; (…) com igual mestria tanto abrange os registos da mistificação narrativa como os da exegese crítica, tanto os da desmistificação satírica como os da transfiguração telúrica, e que sem dúvida não encontra paralelo, pela convergência e concentração de todos estes vectores, na produção de qualquer outro seu coetâneo.»
[David Mourão-Ferreira]
José Martins Garcia nasceu na Criação Velha, ilha do Pico, a 17 de Fevereiro de 1941. No então Liceu Nacional da Horta fez uma parte dos seus estudos. Os bons resultados escolares deram-lhe acesso a uma bolsa da Junta Geral, o que lhe permitiu completar o curso liceal no Liceu Pedro Nunes, em Lisboa, cidade onde se licenciou em Filologia Românica pela Faculdade de Letras.
No ano lectivo de 1964-65 foi professor eventual no Liceu da Horta. Chamado a cumprir serviço militar, em 1965, foi mobilizado para a Guiné, aí permanecendo de 1966 a 1968, experiência que se projecta em Lugar de Massacre (1975), um dos primeiros romances portugueses a abordar a guerra em África, incluído por Rui de Azevedo Teixeira no grupo dos oito romances obrigatórios, canónicos, da literatura da Guerra Colonial. Essa experiência acabaria por pontuar, sob diversas formas e em diferentes circunstâncias, o conjunto da sua obra.
Entre 1969 e 1971 foi leitor de Português na Universidade Católica de Paris. De regresso a Portugal, leccionou na Faculdade de Letras de Lisboa entre 1971 e 1979. Neste ano rumou aos Estados Unidos como professor visitante da Brown University (Providence), aí permanecendo até 1984; o rasto desse tempo americano é detectável em Imitação da morte e no livro de poemas Temporal.
De seguida ingressou na Universidade dos Açores, onde se doutorou com uma tese sobre Fernando Pessoa, Fernando Pessoa: «coração despedaçado», escrito precisamente durante a sua permanência nos Estados Unidos e graças às condições de investigação aí encontradas, como o próprio autor confessa na apresentação da obra; a tese representa a sucessiva expansão de um projecto inicial de recensão crítica a um livro sobre o poeta dos heterónimos. Na Universidade dos Açores foi o responsável pela introdução da cadeira de Literatura Açoriana nos planos curriculares das licenciaturas em Línguas e Literaturas Modernas, da qual foi docente durante alguns anos, e ocupou os cargos de Vice-Reitor e director da revista Arquipélago-Línguas e Literaturas, tendo terminado a sua carreira académica como Professor Catedrático.
A sua relação com a imprensa de Lisboa está atestada pela colaboração no suplemento “Letras e Arte”s do jornal República (1972-1974), onde publicou uma boa parte das críticas e ensaios reunidos em Linguagem e Criação (1973), bem como as crónicas de Katafaraum é numa nação (1974). Entre 1973 e 1974 foi ainda crítico literário da Vida Mundial; colaborou igualmente n’A Capital e no Diário de Notícias, prolongando-se a colaboração neste último até Fevereiro do ano seguinte. Em Fevereiro de 1976 passou a exercer as funções de director-adjunto do Jornal Novo.
A partir do início dos anos setenta, como refere Ricardo Jorge, José Martins Garcia torna-se «um dos mais assíduos colaboradores de Fernando Ribeiro de Mello nas Edições Afrodite», onde, aliás, publicou parte da sua obra, a começar por Alecrim, alecrim aos molhos (1974) e a prolongar-se em obras de referência como Lugar de Massacre (1975), A fome (1977) e Revolucionários e Querubins (1977). Além disso, a sua colaboração com Fernando Ribeiro de Mello traduziu-se na escrita de prefácios, na organização de antologias e na tradução, substituindo, com as devidas distâncias, «a conterrânea Natália Correia como referência literária da Afrodite.», na opinião de Pedro Piedade Marques.
José Martins Garcia faleceu em Ponta Delgada a 3 de Novembro de 2002.