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Fazemos livros. Não fazemos objectos para nutrir aqueles que apenas se servem dos livros para inchar egos e panças.
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Capelinhas: preferimos praças amplas.
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GARGANTA DO MUNDO
Na garganta do mundo caíram mártires vendados, criança surdas, pobres de aflição, caíram mulheres de rua, professores falhados, gente sem utopias, caíram pequenos traidores, mendigos e mães desesperadas, caíram São Sebastião e Pasolini, a chuva e o grito de Hiroxima, caíram árvores derrubadas, palhaços e vulcões, caíram os jovens sem futuro, cadáveres sem saber, caíram espantalhos, governos e falsos poetas, caíram bibliotecas ardidas, homens paralisados pela voracidade analítica, caíram ideologias gastas e um músico solitário, caíram as pinturas negras de Goya e as moedas recolhidas nos semáforos, caíram os meus amigos com os seus segredos, caiu a frenética Celeste Viriato, caíram frases feitas como «Amanhã é outro dia» ou limpas como «Mas Deus, pensou de repente, por que estou eu aqui, nesta desolação?», caíram um, dois, três, quatro, sete anões, bem se vê, mais as cangas de todos os séculos, caiu uma caixa vazia de ben-u-ron para o primeiro que a apanhar, caiu uma história do mar, caíram olhares de vertigem, latidos de cão ou do Denis Lavant, já não sei, caíram banlieues inteiras empunhando tochas e os textos certos para activar nas ruas, caíram polícias desfraldados, caiu a noite e depois o dia, ou o dia e depois a noite, tanto faz, caiu o espírito de Artaud, de Silva Tavares e companhia, caíram imagens sonhadas por gerações anteriores, caíram dois grotescos travestis e um chapéu sem varetas, o teu corpo e o meu em morte negada, caíram fronteiras, caíram os inocentes de Aleppo et on n’a rien vu. Todo este caos caiu na garganta do mundo que, um dia, vomitará.
Emanuel Cameira
Salamanca, 8 de Agosto de 2019
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Já regressaram de banhos & churrascos? Nas tipografias trabalham as máquinas para fazerem sair por estes dias: de Luís Miguel Rosa, Um dia, um grande homem eloquente; de Vasco Medeiros Rosa, Raul Brandão e os Açores; o terceiro volume da Obra Completa de Vitorino Nemésio: os ensaios agrupados em Sob os Signos de Agora / Conhecimento de Poesia.
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Entretanto, os caríssimos leitores e livreiros (e, quem sabe, jornalistas e críticos) já terão reparado que ainda a cheirar a tinta do offset e a toner do digital começam a andar por aí: de Ramiro S. Osório (Lisboa, 1939), o seu dois-em-um “aos que chegaram depois” / A vida e o seu duplo; de Helder Moura Pereira, O pássaro canta o seu canto simples; de Urbano Bettencourt, Com navalhas e navios; de Paulo Rodrigues Ferreira, Uso Errado da Vida; de Henrique Manuel Bento Fialho, Call Center (2.ª edição revista e acrescentada); de Gisela Cañamero, Para além do Muro / Jenseits der Mauer (versão bilingue português-alemão); de Martin Crimp, Definitivamente as Bahamas / Play House.
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Em Outubro e Novembro, se não nevar no Atlântico Norte, mais ficção portuguesa e mais poesia. Vamos falando.
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Estamos vivos – e sobreviveremos a maiorias (de república de(as) bananas).