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«(…) Porque a vida literária é uma maçonaria como qualquer outra, onde é escusado imaginar-se que alguém entra forçando as portas. Tudo, na vida, funciona por camarilhas que oferecem a seus membros a tranquilidade de se imaginarem importantes ou, mais ainda, a ilusão de que estão vivos (…)»
Jorge de Sena, “Carta ao Jovem Poeta”, em Poesia e Cultura, Porto, Edições Caixotim, 2005.
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Como era expectável, passou despercebida na cultura oficial a nossa antologia de poemas 2012-2018, A Garganta Inflamada. Que a terra seja pesada aos seus (mal)feitores, pois merecem.
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A Livraria Esperança (Funchal) é uma arca de noé dos livros, aliás, mais do que isso, um universo infinito e em expansão, porque está sempre aberta a mais um livro desconhecido. Bem hajam aqueles e aquelas que nos dão tanto.
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Neste mês de Junho: POUCA TERRA, de Leonor Sampaio da Silva (textos) e Carlos Carvalho (imagens). Do prefácio do Daniel Gonçalves: «E, portanto, este livro. Pouca terra, ilha, vulcão. Tudo essência da mesma condição. Confessionário lento das imagens, viagem que vai e volta, devolve e retribui a arte de acrescentar onde faltava qualquer coisa. Afinal, falta sempre qualquer coisa, na fotografia que é muda, na palavra que é inocente. E, portanto, este livro, assim, porque o vulcão escuta e nós, que somos sangue do seu sangue, carne da sua carne, emprestamos uma língua que canta, ou que beija, ou que avança, sempre que a pouca terra que somos basta para mais um salto, deixando para trás o resto do oceano.»
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Ainda neste mês, um livro-mundo, de um querido amigo: O NOME DO MUNDO 1969-2019, de José Amaro Dionísio.
O livro vem com um encarte que irá deixar muito boa gente a torcer-se toda (por várias e desvairadas razões): em cerca de 3 dezenas de páginas, um relato autobiográfico do autor: «Repórter desde 1969 numa vintena de países sucessivamente expulso dos media por onde foi passando ao longo de décadas publicou também algum jornalismo em livro.» Na segunda parte deste encarte, uma recolha de textos de imprensa sobre a sua obra. Como estes:
«Esta plaquette é constituída por seis textos curtos, dois deles com menos de uma página, que andavam dispersos. José Amaro Dionísio é um escritor muito pouco prolixo, requintado, de uma categoria que não concebe a escrita senão como um murro no estômago. O conceito de escrita é, aliás, pertinente para falar destes textos densos, desta prosa que está constantemente a sabotar o romanesco e a colocar o acento sobre o fragmento e o descontinuo. Na escrita de Dionísio, a frase não obedece tanto às regras do encadeamento quanto à necessidade de dar ritmo a uma força e de abrir um mundo de sentido. É esta escrita sofisticada que produz o início exemplar do texto “Nos Olhos do Gato Uma Espingarda”: “O candeeiro na ponta da praia vela o porto e um homem ajusta à chávena de café as contas do passado. Os anos passam e ganhar perdendo tudo em cada instante fica-se sozinho.” Um vasto mundo esconde-se em cada detalhe e é assim que se cria um ambiente, uma atmosfera que evoca uma narrativa sem ter de expor o seu encadeamento. E as narrativas, aqui, referem-se sempre maioritariamente a lugares marginais, habitados por personagens cuja vida se baseia na circulação de sexo, dinheiro e sangue. Estereotipado, este ambiente? Se o descrevemos, sim, mas os textos de José Amaro Dionísio são outra coisa completamente diferente desta redução conteudística.»
– António Guerreiro, na revista do Expresso (20 de Dezembro de 2008).
«Dificilmente se poderia esperar melhor surpresa natalícia do que este volume colectivo (assinado por José Amaro Dionísio, Helder Moura Pereira, Fátima Maldonado e Fernando Cabral Martins), com um grafismo sóbrio e irrepreensível. Saúde-se, desde logo, o regresso à escrita – cada vez mais próxima do silêncio – de José Amaro Dionísio, exímio na arte de “cair sozinho, num charco de luz” e capaz de diagnosticar, em duas palavras, os tempos indigentes em que vivemos, “Está um país tão podre. E eles cagam palavras.” O despojamento aforístico tornou-se, aliás, ainda mais evidente: “Não sabemos o que somos, e morremos disso.” (…)»
– Manuel de Freitas, na revista do Expresso em 21 de Janeiro de 2017 (sobre o Às Escuras, da editora 100 Cabeças, 2016).
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Continuamos como antes: os compradores de livros são cada vez menos, as livrarias demoram meses e meses a entregar-nos o produto das vendas dos nossos livros (que lá colocamos a expensas nossas, à consignação). Resultado: há pouco com que ir para a tipografia. É assim, senhoras e senhores. Vida difícil.
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Mesmo assim: estamos vivos (parece).