Folha #003

Na praça repleta de perigos, digladiam-se os esbirros serventuários de obscuros (ou nem tanto) interesses, com as suas bocas-de-inferno atascadas de literatura & poesia – quando vomitam, as palavras saem(-lhes) conspurcadas e infectas.

A Companhia das Ilhas é «ultra-periférica», por entre mares e ilhas.

«(…) a censura não-oficial proliferou e é eficacíssima; os censurados de ontem são hoje óptimos censores e não lhes escapam as nossas artimanhas. As censuras internas funcionam drasticamente e as regras que espartilham os plumitivos não são menos severas hoje do que no tempo dos coronéis. Vai longe a idade dos franco-atiradores. Aimprensa recusa sistematicamente, hoje como ontem, não só tudo o que cheire a doentio e a dissolvente (estou a citar Pessoa), mas até o que cheire a discutível. Oofensivo e o demolidor não passam. Recusa-se a Diferença, valor que, há-de concordar, sobeja nos escritos do neófito que lhe apresento. Os espalha–brasas são indesejáveis (exceptuando talvez os de direita que até já chegam a deputados e a ministros). Quanto mais mole e mais cadaveroso, hoje, melhor se vende! O país dos brandos costumes tomou a iniciativa e reina Tony Silva, às vezes com o pseudónimo de… vide titulares das nossas colunas culturais. (…)»

Manuel João Gomes, carta ao Ex.mo. e Il.mo. Senhor Vítor Silva Tavares, em Os Segredos da Jacinta, Lisboa, &etc, 1982.


Na primeira semana de Maio cumprimos 7 anos de vida editorial. Assinalamos o facto com a publicação da antologia poética A Garganta Inflamada. O texto de apresentação do organizador, José Manuel Teixeira da Silva, que abre com uma citação de Mallarmé («Un coup de dés jamais n’abolira le hasard.»), explica: «Escolhem-se nesta antologia textos dos vários autores contemporâneos de expressão portuguesa que publicaram livros de poesia na Companhia das Ilhas, entre Maio de 2012 e Maio de 2018. Este balanço/exposição de um primeiro ciclo de publicações poéticas na editora parte de um critério rigorosamente objectivo: são 4 textos de cada um dos 33 autores em causa, num total de 132 poemas. Tudo o mais, subjectividade e os rigores da poesia. A organização da recolha não segue poetas, cronologias ou temas estritos. Pretende-se uma espécie de objecto de geometria variável, em que o acaso não será de negligenciar, na sua secreta sabedoria. A partir da contiguidade dos textos, estarão subentendidos dípticos, trípticos e outras sintonias ou confrontos, diálogos feitos de afinidades, rupturas e ressonâncias várias, num contínuo de poemas devidamente identificados, mas sem separadores. Exactamente como quem joga aos dados.» O livro (200 páginas) já está nas livrarias: desamparado, como estão sempre os livros dos poetas, é sua condição serem assim.

Em Abril que ainda marcha, publicámos: CARMES, recolha poética (1972-2018) do Paulo da Costa Domingos; a colectânea de estórias curtas da Inês Lourenço, ÚLTIMAS REGRAS; do Alexandre Sarrazola, a narrativa TRIQ GATTO MURINA; as peças teatrais TEORIA 5S e VELOCIDADE DE ESCAPE (parceria com o Visões Úteis) de Ana Vitorino, Carlos Costa e João Martins;  a colectânea de contos O UNIVERSO & OUTRAS FICÇÕES, de Carlos Alberto Machado.

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Temos sempre muita relutância em anunciar planos de publicação: os compradores de livros são cada vez menos, as livrarias demoram meses e meses a entregar-nos o produto das vendas dos nossos livros (que lá colocamos a expensas nossas, à consignação). Resultado: não há com que ir para a tipografia. É assim, senhoras e senhores. Vida difícil. 

Ainda as livrarias: no sítio da Companhia actualizámos a informação sobre livrarias (e outros locais igualmente dignos) onde estão os nossos livros. Registamos, com muito agrado, as “entradas” da Almedina (Coimbra, Porto e Lisboa), da Universidade Católica em Lisboa, da nova Culsete em Setúbal, da Poesia Incompleta, em Lisboa, da Livros de Bordo (em itinerância algarvia), e da Dezasseis Frente (online). Entretanto, a Fnac tem vindo a reduzir drasticamente a presença dos livros da Companhia no seu vasto império (vinte e tal lojas): mais uma (boa) razão para preferirem as independentes.

Quando houver liquidez (não temos como dar garantias aos Bancos – porque achamos que eles é que têm de nos dar garantias de não “usarem mal” – eufemismo – o nosso dinheiro), estão prontos para as máquinas: de Dimas Simas Lopes, O RAPTO; de Álamo Oliveira, CONTOS CONTADOS; de Leonor Sampaio da Silva, texto, Carlos Carvalho, imagem, POUCA TERRA; de Urbano Bettencourt, COM NAVALHAS E NAVIOS; de Paulo Rodrigues Ferreira, USO ERRADO DA VIDA; de José Amaro Dionísio, O NOME DO MUNDO 1969-2019. E mais não dizemos (por agora).

Mesmo assim: estamos vivos (parece).