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Fora de arraiais, festas, festinhas, carnavais & festivais, a carregar algumas dívidas e muitas dúvidas – nestes tempos em que tantas pessoas gritam a sua certeza inabalável no mundo e no sentido que para elas o mundo tem (ou deverá ter) –, os LIVROS (caixa alta, sim). Essas criaturas frágeis, a quem tantas vezes se pede, ou se exige, o que eles não podem (nem querem) dar. Nós, editores, tão frágeis quanto os livros que editamos, não queremos expô-los à voracidade das modas, maquinetas totalitárias movidas a saliva ácida dos tolos. De certo modo, protegemos a fragilidade dos livros – tanto quanto podemos, sabendo embora que é tarefa difícil vencer a choldra. Mas havemos de lhes morder as canelas, mandar-lhes com os unhaços aos pescoços, com afinco, ai isso sim.
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Entrámos no oitavo ano de publicação. Foi em Maio de 2012 que saíram os primeiros seis (pequenos) livros da Companhia das Ilhas, com o editor da casa, Carlos Alberto Machado, e o António Cabrita, o Fernando Machado Silva, o Nuno Costa Santos, o Pedro Eiras e o Mário T Cabral, este grande amigo que um cancro ceifou no Outono de 2017.
Continuamos com as mesmas dívidas e dúvidas e umas poucas confiáveis certezas (não dá para mais), neste ano que já cumpre dois meses, um deles de perna curta. Em Janeiro e Fevereiro, portanto, alinharam connosco os poetas José Ricardo Nunes, o FS Hill e a Madalena de Castro Campos (CLASSICO, ANIMAL VEGETAL e A GUN IN THE GARLAND, respectivamente). A Madalena começou com a Companhia a publicar os seus poemas, agressivos e irónicos, e este já é o seu terceiro livro (os outros foram O Fardo do Homem Branco e La Mariée Mise à Nu).
O Zé Ricardo regressa, depois do livro de contos Confissões e do de poemas Três Oito e Setenta e Cinco: o Classico (e não “clássico”, já agora), mereceria, como tantos outros, tivéssemos nós alguma coisa parecida com uma imprensa cultural, boas conversas à volta do ofício da poesia e das suas maneiras de olhar o mundo (ou de o fazer, como se queira).
O (disfarçado) FS Hill fintou-nos com os livros anteriores, mas desta vez apanhámo-lo com o ANIMAL VEGETAL, livro de uma mordacidade que há-de dar (ou daria, pois) muito que falar.
A Catarina Costa, poeta de quem tanto gostamos, oferece-nos, já em Março, o ESSAS ALEGRIAS VIOLENTAS, livro intenso, perturbador. Idem.
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Abril e Maio: estamos muito felizes pelo que aí vem nestes dois meses. A saber: o poeta José Manuel Teixeira da Silva organiza uma antologia de todos os poetas (33) que publicaram na Companhia das Ilhas entre Maio de 2012 e Maio de 2018. Vai chamar-se A GARGANTA INFLAMADA. É «(…) uma espécie de objecto de geometria variável, em que o acaso não será de negligenciar, na sua secreta sabedoria. A partir da contiguidade dos textos, estarão subentendidos dípticos, trípticos e outras sintonias ou confrontos, diálogos feitos de afinidades, rupturas e ressonâncias várias (…) E será essa, numa dobra sobressaltada da poesia e da vida, a razão fundamental do trabalho de uma editora que, desde o seu nome, nos fala de uma solidão acompanhada. No incerto entrecruzar de palavras lançadas sem remédio ao papel, surpreender a nossa tao simples, difícil, gloriosa e desgraçada existência, que a poesia tem a vocação de, vitalmente, reafirmar.» Por estes excertos do texto de abertura do José Manuel se percebe bem, cremos, como esta antologia será importante para nós – e, esperamos, para quem acompanha os nossos livros de poesia e os autores que publicamos.
O Paulo da Costa Domingos é um amigo de sempre. Temos por ele uma imensa estima e consideração – é isto que por vezes se escreve em dedicatórias de livros, quando se torna difícil dizer em poucas palavras a… estima e consideração que temos por alguém. Pelo Paulo. Pelo PCD. E pronto. Em Abril: um livro que assim se apresenta à praça: Reunir num volume a parte substancial de versos escritos entre 1971 e 2018 é como lançar uma nova desordem no que muitos leitores tinham dado por arrumado na estante. Reunir é quebrar, entre outros, esse alheamento. Paulo da Costa Domingos (Lisboa, 1953) – escritor que, à semelhança de Herculano, vem disputando palmo a palmo a sua vida intelectual – assume agora, em Carmes, o compromisso antológico de uma obra poética ímpar, que se estende por 570 páginas de poemas, revistos e redistribuídos, uma significativa parte deles ainda inéditos. Vamos a eles!
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Até ao final de Maio, outros autores, amigos que nos confiam os seus livros: a Inês Lourenço, o Alexandre Sarrazola e o Urbano Bettencourt. A poeta Inês Lourenço (de quem editámos três obras: as micro-ficções de Ephemeras e os de poesia O Segundo Olhar e O Jogo das Comparações), abre novamente aos leitores o seu universo poético com o ÚLTIMAS REGRAS, onde retoma a fórmula iniciada em Ephemeras, conjugando nele a prosa poética e a micro-narrativa, numa tonalidade mordaz e ácida que tão bem a caracteriza.
A escrita do Alexandre Sarrazola é, julgamos, uma das mais fortes da nossa contemporaneidade, com «uma beleza fora do tempo, ostensiva, descarnada, fantasmagórica». Depois de o editarmos duas vezes (Kinderszenen e Smalloch), acolhemos agora a narrativa TRIQ GATTO MURINA, jogada por terras de Malta (a rua do Gato Murina) e noutras geografias.
O poeta e ensaísta Urbano Bettencourt, amigo com quem começámos a editar livros nos Açores (2005), volta à Companhia depois da breve antologia poética Outros Nomes, Outras Guerras e do ensaio O Amanhã não Existe, sobre o grande escritor José Martins Garcia. O seu novo livro, COM NAVALHAS E NAVIOS, reúne poemas escritos entre 1972 e 2012. Nascido na ilha do Pico em 1949, foi professor (doutorado em estudos portugueses), na Universidade dos Açores entre 1990 e 2014, é um peculiar poeta açoriano – a descobrir noutras latitudes.
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Até final de Maio, primeira quinzena de Junho, publicaremos mais uma mão cheia de livros – e deles aqui daremos a notícia possível (esta folha está em permanente actualização). Livros que naturalmente ficarão de fora de folias, correntes, cordames e outros atavios com que se vai tentando enredar os livros.
Estamos vivos (parece).