Um Vórtice
Nelson Boggio
Em Um Vórtice, temos duas Figuras, ELE e ELA. ELE é um encenador e escritor, inválido, paralisado da cintura para baixo. ELA, sua mulher, é actriz e também escritora.
Todo o texto é uma fina rede onde se entretecem pedaços da realidade e da ficção teatral, em subtis jogos de indefinição, com grande tensão verbal e física. O leitor/espectador é obrigado a manter-se em permanente dúvida e na expectativa do desenlace…
O texto já foi objecto de montagem, em 2010, na Casa Conveniente, em Lisboa, com encenação do próprio Nelson Boggio, assistido por Mónica Garnel, constituindo também estes o elenco do espectáculo.
Excerto
ELA Vão despedir o Silvério.
ELE Já não era sem tempo.
ELA Só por ter o braço naquele estado?
ELE Mesmo que ele diga que foi um acidente, coisa em que eu não acredito…
ELA Eu acredito!
ELE Só estou a dizer que não se pode trabalhar com o braço assim. São precisos dois braços. O teu pai…
ELA Não me venhas com a evolução das coisas…
ELE Só estou a dizer que o dinheiro que ele gasta noutras coisas devia ser aplicado na tecnologia. Já ninguém usa manivelas.
ELA Usa ele. Se não usasse manivelas o Silvério não tinha trabalho. Ou tu.
ELE Eu posso fazer outras mil coisas. Não sou o Silvério, um homem de sessenta anos que a única palavra que sabe dizer é dinheiro.
ELA Como se o conhecesses. Se teve o acidente foi por causa do segundo emprego que conseguiu na ponte.
ELE Acredita no que quiseres.
ELA Acredito.
[..]
Nota de leitura