VIAGEM PELO BRASIL [1999-2000]
António Vieira
Diário de um escritor português.
Evocar emoções esquecidas suscita um novo estranhamento. Este Brasil rememorado, de há pouco mais de vinte anos, ressurge-me a partir de fragmentos, janelas estreitas abertas sobre um tempo volvido, por onde voltam sensações antigas — ir pela memória é como seguir pelo chão da floresta: na obscuridade pulsam manchas cintilantes, a distância imprecisa, que a penumbra envolve e julgamos ver e decifrar pontos vivos por entre um vasto mundo oculto.
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Excerto
Há que caminhar sem fazer ruído. Do alto vêm sons de aves, que parecem sopros em tubos sonoros de várias espessuras, tocados com mestria; os ruídos dos anfíbios são como roncos saídos da terra; os dos insectos espalham crepitações ásperas; restolhos no chão florestal indicam porventura a fuga de algum réptil cuja imagem se furta ao nosso olhar.
Paramos, atentos ao canto antifonal de aves invisíveis: uma delas vocaliza de um lugar incerto; passam uns segundos e o parceiro responde de longe, em parada de corte. Fixamos o ponto exacto de onde provém o som — mas como encontrar o cantor, perdido na densidade, no emaranhamento de tons verdes? Martinho sussurra-nos a história de um pássaro de plumagem verde que canta entre a folhagem e nunca ninguém viu!
As histórias da floresta, de tão prodigiosas, são da matéria já das fábulas e mitos. E recordamo-nos da lenda da pequena ave da floresta, suposta invisível mas de canto inefável, que inspirou Villa-Lobos na sua obra O Uirapuru, que tira o seu nome de um pássaro canoro bem real (Cyphorhinus aradus).
Qualquer atenção concedida a uma parte do todo florestal revela formas insuspeitadas de seres vivos: em frestas de madeira apodrecida proliferam pequenos cogumelos, inclinando a uníssono os seus pés delicados; num sulco do alburno de uma sumaumeira (Ceiba pentandra), aranhas tecem teias onde se prendem moscas; procurando na escala logo abaixo, miríades de insectos minúsculos correm sobre folhas e lianas. E se olhássemos com lupa, e depois com microscópio, desvendaríamos novas e sucessivas camadas de viventes.
Nota de leitura