Um quarto com vista sobre o meu quarto
Cláudia Lucas Chéu
As mulheres aqui retratadas não têm idade, os seus corpos são reais e palpáveis, ocupam espaço, têm cheiros, movimentos, desatinos. Conhecem o travo do suor e da menstruação, são poderosamente sexuadas e exploram sem pudor nem hipocrisia os recônditos do desejo, da solidão, da alegria e da tristeza. São mulheres sábias, com amores e humores, com hesitações e ímpetos, paixões e desamores. São mulheres que não recuam perante as apreensões e os medos e que avançam para as vitórias, os feitos,
as afirmações, a alegria, o regozijo, o amor, o sexo e a liberdade. Cláudia Lucas Chéu leva-nos a conhecê-las, ou melhor, a reconhecê-las. Porque estas mulheres – e estes homens – são (somos) todos nós.
Helena Vasconcelos (do Prefácio)
Disponível para Livrarias e para Venda directa. Pedidos para: companhiadasilhas.lda@gmail.com
Excerto
AS LÉSBICAS TAMBÉM FAZEM SEXO, MÃE?
«As lésbicas também fazem sexo, mãe?» Lançaste a bomba enquanto subíamos a rua íngreme até à nossa casa, vinha eu carregada que nem um jumento com os alforges do supermercado atestados de comida. Resfoleguei. (…) «As lésbicas fazem sexo e amor como os heterossexuais. Também se despem, acariciam os corpos, beijam-se, têm prazer e são felizes por estarem juntas na mesma cama.» E mais pormenores não fui capaz de te dar e tu pareceste esclarecida com a informação que te dei. Achei-te muito crescida a subires a rua ao meu lado com a tua mochila cor-de-rosa aos ombros. Estávamos mesmo a chegar à porta do prédio e eu deserta por entrar em casa e pousar os sacos, quando resolveste pedir mais um esclarecimento: «Ó mãe, então tu e a tua namorada também fazem sexo?» Dirigido assim tão frontalmente deixou-me apertada ao nível do pudor, mas tive de dizer a verdade. Sabendo que provavelmente te passariam pela cabeça as imagens que tinha acabado de te explicar, mas neste caso com a tua mãe. Fez-me confusão, porém não me demoveu de ser honesta. Pensei que se as tuas perguntas fossem em relação a um namorado também te não mentiria. Portanto, o melhor seria assumir e pronto. Até porque há que dignificar a pessoa que tenho ao meu lado perante os teus olhos e os de toda a gente. «Também fazemos, sim, filha. Como todos os casais. E fazemo-lo porque sentimos amor uma pela outra.» Pareceste, por fim, satisfeita com a minha resposta e começaste a falar de um jogo de computador em que tens de construir a tua própria casa, e entrámos finalmente no nosso humilde lar. Pude descarregar a carga do supermercado na cozinha. Senti-me bem por não te ter mentido, senti-me competente nesta profissão exigente e a tempo inteiro chamada mãe.
Nota de leitura