Teatro (in)Completo. Volume II
Carlos J. Pessoa
Teatro (In)Completo, Volume II
Este livro contém peças de Teatro
Material perigoso e, eventualmente, explosivo
Podem ler, mas o melhor mesmo
É fazerem Teatro. Usem os textos
Abusem deles, o autor não se importa.
Carlos J. Pessoa
Teatro (In) Completo Volume II, de Carlos J. Pessoa, reúne cinco peças escritas pelo autor e levadas à cena entre 1994 e 1998: A Gesta Marítima, A Nossa Aldeia, Os Piratas, Esboço Sobre a Ansiedade e História de um Tropeçar. Aborda temas como a expansão ultramarina portuguesa, o Portugal contemporâneo, a complexidade das relações humanas ou a dificuldade em arranjar um trabalho.
Carlos J. Pessoa é docente na Escola Superior de Teatro e Cinema (ESTC) e é co-fundador e Director Artístico do Teatro da Garagem.
Desde 1989, escreveu mais de 100 espectáculos que a Companhia apresentou, com diversas peças publicadas.
Excerto
HERÓIS
I ─ OS DETERMINANTES DA VIAGEM DE BARTOLOMEU DIAS
(Há o ranger das tábuas, o cordame desarranjado onde habitam as vagarosas preguiças; há as luzes que nos namoram o olhar, o ar morno invadido por súbitos jactos de tinta azul; um monte de limões. Sal e migalhas medem-nos os passos, a nós, espectadores da irrisão de alguns desaparecidos, desses personagens da História vestidos das nossas contingências; vêm contemporâneos, buliçosos e um bocadinho sujos; dispersam-se, calam-se.)
1º Momento: Luba entra com os espectadores; tira-lhes as medidas; sinaliza o chão com sal e migalhas.
2º Momento: a Preguiça come ervas
3º Momento: O Aquário Deformante
4º Momento: Concerto para Aquários
NARRADOR ─ Ri? (algures, Inês de Castro solta uma gargalhada) Estão à deriva há 3 meses, os nossos bautas; bautas de baús, em vez de naus: baús de recordações. Acham pouca graça, os coitados… Eu? Passageiro Clandestino, às vezes Mestre-de-cerimónias, outras vezes, não sei.
O teatro rudimentar que se desenrola no castelo da proa desta pseudo-nau merece a nossa atenção, não a deles, minguada pela extensão azul em balanço mínimo. (Camões ondeia mangas de água) A nós encantam as marionetas dos santos, animadas sem jeito: o Cristo anão, a Madalena de barbas, a evocação de uma justiça plúmbea feita pelo Cem-Braços, (passa o Cem-Braços) D. Sebastião segurando entre os lábios o pedaço de pano púrpura que resta.
NARRADOR ─ Um dos nossos heróis, Camões, tem um prato na mão; é um prato precioso da dinastia Ming, que tem desenhado um cavalo. Parte o prato, esmigalha-o; com o tacão do sapato tenta reduzir a pó os diversos fragmentos. Junta água, num outro prato, a esta espécie de farinha e come!
Nota de leitura