Ranço
Jorge Aguiar Oliveira
Ranço é uma recolha de duas dezenas de poemas onde está em evidência o declínio de um país. Se é verdade que sempre esse declínio se insinuou nos versos do autor, nunca como nestes poemas ele apareceu de forma tão explícita.
Excerto
és tanso shot
bebendo bujecas
caipimerdas
vão à merda shot
falaciosos de calão
sem nexo shot
vidas falidas
copos plásticos
palhinhas e limas
arremessadas ao chão
garrafas de tinto
cerveja e vodka partidas
entoando és merda
já foste bat’fundo
deixa k’eu chuto
chupo outro
shot chamon cu de judas
guinchos histéricos
para abafar o malogro
do futuro
que os espreita
(…)
[“Shot Bairro Alto”]
Nota de leitura
Em nenhum outro poeta encontramos este abrigo dos excluídos, dos desterrados, dos clochards que habitam as ruas condenados à condição aberrante que, de quando em vez, faz as delícias das massas numa reportagem sentimental exibida em horário nobre. A marginalidade é, pois, o território onde esta poesia medra, fazendo dessa marginalidade não uma bandeira plástica, mas, paradoxalmente, o centro a partir do qual se observa com satírica vocação a normalidade instituída, promovida, estupidamente e “estupidificantemente” acolhida pela maioria.
[Henrique Manuel Bento Fialho, blogue Antologia do Esquecimento, 27 de Fevereiro de 2014]