Pretérito quase perfeito e outros contos
Paula de Sousa Lima
De um homem que se suicida mas continua a escrever até uma mulher que quer morrer em cima do palco, ao longo destes contos acompanha-se um desfile de personagens cuja normalidade – ou mesmo banalidade – da vida é enredada em situações inusitadas e marcadas pela estranheza.
Nestas histórias curtas, a escrita, por vezes irreverente, eivada de poeticidade, ao mesmo tempo que crua e brutal, dá vida a personagens cuja vida é tocada pela tragédia, no seu sentido pleno ou feita de minudências aparentemente desapropriadas. Não é, no entanto, a tristeza que sobressai, mas a celebração da vida – ou de vidas, todas elas distintas entre si, conquanto enraizadas no mais profundo sentido da humanidade. E a morte, quase omnipresente, não representa senão uma faceta da vida.
É, de facto, a humanidade que aqui se reúne, nos seus mais variados cambiantes, os quais, balizados entre o vulgar e o estranho, assumem uma verdade inequívoca, embora alicerçada no insólito e no absurdo.
Excerto
Não sei se a chuva, se o automóvel, se as luzes da igreja, se Não sei se o meu sonho na luz oblíqua da tarde chuvosa, uma chuva que não cessa, não sei quando começou, talvez já tenha cessado, não sei
Ilumina-se a igreja por dentro da chuva deste dia, E cada vela que se acende é mais chuva a bater na vidraça… quem quer comentar? diz, Joana, vá lá.
Ontem, o automóvel, pensei que eras tu, cheguei à janela, não, jurava que era o som do motor do teu carro, já ontem chovia, parece-me, não era o teu carro, ia jurar que o som.
O pai?
Deve estar a chegar.
O automóvel, o motor, pensei que eras tu, o som por entre as rajadas da chuva, não
O pai deve estar a chegar.
Nota de leitura