Pouca Terra
Leonor Sampaio da Silva (textos), Carlos Carvalho (imagens)
Prefácio de Daniel Gonçalves
E, portanto, este livro. Pouca terra, ilha, vulcão. Tudo essência da mesma condição. Confessionário lento das imagens, viagem que vai e volta, devolve e retribui a arte de acrescentar onde faltava qualquer coisa. Afinal, falta sempre qualquer coisa, na fotografia que é muda, na palavra que é inocente. E, portanto, este livro, assim, porque o vulcão escuta e nós, que somos sangue do seu sangue, carne da sua carne, emprestamos uma língua que canta, ou que beija, ou que avança, sempre que a pouca terra que somos basta para mais um salto, deixando para trás o resto do oceano.
Daniel Gonçalves (do Prefácio)
Excerto
Sabes, Rick, Paris não me diz nada. Deixaste de cantar, obrigaste o piano ao silêncio e expulsaste-me de todas as pautas, porque um dia, em Paris, fomos felizes. Mas, a mim, Rick, a mim Paris não me diz nada. Paris fica bem no cinema, não em mim. Paris não me serve, não me dá chão nem nuvens. Paris rouba-me o lar a norte e Neptuno a sul. Paris é para os amantes que escrevem cartas de amor com mangas de folhos e cabeleiras postiças. Dá-me uma cidade pequena, Rick, onde caiba uma biblioteca de vinte livros, não mais, e uma vela. Dou-te um quarto onde te possa visitar e uma mesa onde possas encontrar-me à beira de um chá. Encontra para nós uma cidade onde eu te possa ver à distância de um beijo; uma cidade pequena, Rick, com uma lareira e um vaso com terra,
a esquadria de um poema e um álbum de fotografias. Não teremos sempre Paris, Rick. Isto é conversa de filme americano. Paris é para os americanos. Dá-me uma cidade pequena, Rick. Antes quero uma cidade que eu possa erguer que outra que me derrube.
Nota de leitura