Porto do Mistério do Norte

Dimas Simas Lopes

O novo livro de Dimas Simas Lopes lê-se com o prazer de quem ouve essas muitas histórias que o mar traz pela boca dos que o tratam por tu, sejam pescadores ou velhos baleeiros. E confirma o Porto do Mistério do Norte como um lugar mítico, cujas personagens nos trazem o sabor da linguagem popular e do seu apurado sentido crítico. Assim, por entre momentos de grande humor, acompanhamos Tónio nas alegrias da liberdade, ao mesmo tempo que assistimos ao desfile das pequenas e grandes perfídias da alma humana.

(Carlos Bessa)

 

 

Excerto

Se todas as histórias fossem tão claras, como parece ser a história do teu avô, Tónio, quando ele resume a sua vida de pescador e diz, a gente acaba como começa, a história do Porto do Mistério do Norte era mais fácil de contar, fala o Figueiredo, mas a história de uma terra tem por dentro milhares de histórias, cada um tem a sua, que não se sabe como começa, como acaba nem pensar. A história fica para quem a sabe fazer, nesta conversa basta o que cada um viu e está a ver, o que foi e o que passou a ser. E antes da história está a geografia que liga as terras e molda a gente que faz a história. Quem primeiro aqui chegou encontrou a geografia virgem, viu a terra vestida de mato e pedra e musgo e cascalho e biscoito e mar a salgar e a morder a terra e vulcões a queimar a terra e a vomitar fogo até ao mar. Como em toda a parte esta terra passou a ser de poucos senhores e estes mandavam queimar o mato para abrir caminhos e para medir a terra e levantar os primeiros muros que dizem a quem pertence. Medir a terra é o papel do senhor da terra. Como há muita pedra, ganha-se terra ao erguer paredes, as paredes são a marca do seu dono. Terra virgem com fome de sementes. Fecundada a terra virgem são grados os primeiros frutos. Cinco séculos é tempo que dá para ver, do fogo dos homens e do fogo dos vulcões a terra está limpa de miasmas, está forte para fazer nascer cereais e novas plantas e nova gente, e na falta de cereais, a gente comia raízes e comia o que havia, até com fome se inventa, até nascer o que comer, sem haver para onde fugir. Para tudo havia pouco, para abrigar e vestir e calçar, foram séculos de palheiros e tectos de colmo e pano da terra para vestir e pés descalços e pés com alparcatas, até aos anos 60 do século xx. E na sombra ou às claras a terra viu escravatura da mesma cor e de outra cor e viu muitos a fugir e a partir, viu e continua a ver, cinco séculos dão para ver.

Nota de leitura

Munido dum mar antiquíssimo que o habita e onde os ventos recebem todos os nomes, chega Dimas Simas Lopes do Porto do Mistério do Norte, esse lugar onde a memória é uma fogueira – quando a julgam extinta, reacende-se, para entendermos que nada se perdeu – trazendo até nós o Caos e a Criação, o Homem e a sua viagem, mais os instintos do amor nunca esquecendo o presente português numa linguagem gémea à língua do mar, isto é, lúcida ou incómoda, mordaz ou atrevida consoante a brisa que incendeia a liberdade do acto de pensar.

Ivo Machado

Ficha Técnica

ISBN: 978-989-8592-92-7

Dimensões: 14x22cm

Nº páginas: 164

Ano: 2015

Nº Edição: 062

transeatlântico 012

Género: Ficção (romance)

PVP: 14 €

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