Poesia 1950-1959
Vitorino Nemésio
O primeiro e único volume da obra poética de Nemésio por ele mesmo preparado — Poesia (1935-1940) —, antecedido pelos livros e poemas dispersos publicados entre 1916 e 1930 e a que ele próprio chamou «nugas», constituem o primeiro volume desta colecção: Poesia (1916-1940); os livros publicados entre 1950 e 1959 dão corpo ao presente volume. A razão de ser desta última baliza cronológica justifica-se pelo facto de existir um intervalo de carência (ou seja, um período durante o qual o autor não publicou qualquer livro de poesia) de dez anos entre o último livro de Poesia (1935-1940) — Eu, Comovido a Oeste (1940) — e o que se lhe seguiu em data de publicação — Festa Redonda (1950) —, que corresponde a um período de intensa actividade ensaística, mas sobretudo de ficção literária, durante o qual Nemésio compôs e publicou a sua opera maxima romanesca, Mau Tempo no Canal (1944), bem como os contos de O Mistério do Paço do Milhafre (1949) que, pela temática (o homem do povo, «narrador de contos e de ‘causos’») de certo modo anuncia o ambiente de Festa Redonda.
Luiz Fagundes Duarte
OBRA COMPLETA DE VITORINO NEMÉSIO – Parceria Companhia das Ilhas – Imprensa Nacional. Direcção Literária de Luiz Fagundes Duarte
A Obra Completa de Vitorino Nemésio é destinada a um público vasto, em que cada volume é revisto e apresentado por um especialista na matéria. A Companhia das Ilhas e a Imprensa Nacional dão assim um contributo decisivo para a divulgação e o conhecimento da obra de um dos escritores que ficará para a história da literatura portuguesa do século xx: Vitorino Nemésio.
Excerto
ILHA AO LONGE
I
Pedra torrada, transtorno do mundo,
Alvorada no pasto à estrela firme:
Numa gota de leite penso a tarde,
Vontade de ir-me,
E o fundo
De tudo arde.
Por cima nevoeiros acomodam
A noite de aves sossegadas sobre o ovo,
Escurecem e rodam,
Embalsamam o povo.
És isto, ilha da noute,
Evocação de légua:
O que me deste dou-te
Como ao pelo do poldro a saliva da égua.
Por fora só o sinal duro
Altera o estéril horizonte:
Chega-se perto, e sai do escuro
O fôlego, o pão, a vaca, a fonte.
Ilha, capuz sem testa no mar ermo,
A minha fronte te perdeu:
Terei sombra na paz, do dia ao termo,
Que em noite a morte converteu.
Nota de leitura