«O texto da Cecília Ferreira são actos de imaginação baseados numa ameaça real — o inimigo não nos é estranho e apesar das diferenças poucas culturas humanas respeitam a natureza — os índios, sabemo-lo, chamam mãe à terra, ao solo.
A peça vive de um acontecimento, a catástrofe iminente, ameaça difícil de discernir como inimigo principal, mas em relação à qual é necessário empregar meios mais vastos que aqueles que os grandes poderes gastam no negócio armamentista, essa a situação real que a peça ficciona. Se a paz for um conseguimento — e o fim deste sistema destruidor que rege as relações entre humanos reduzindo-as à mercadificação, ao consumo desenfreado e ao lucro — poderemos tentar evitar o fim da vida no planeta — o planeta, sem vida, lá seguirá um rumo. À àgua e ao ar não fazemos falta.
Planeta Vinil, é esse mundo que gira, ameaçado de vida e que faz som – há quem imagine a paisagem sonora planetária como um concerto, o som dos oceanos um continuum e ventos e chuvas, silêncios desérticos e cascatas, vozes dos animais, etc., melodias sobrepostas, mundo sonoro planetário como harmonia globalizada. Planeta Vinil é uma fuga em vários tempos e etapes. Estamos e continuamos na linguagem musical desde o título.»

Fernando Mora Ramos, encenador, da Apresentação.

Excerto

FAIXA UM – ANTES DA PARTIDA
(O espaço é despido e árido. Há fumo e grandes dificuldades em discernir direções e de tomar decisões. As pessoas estão desorientadas. Ninguém sabe para onde está a ir, mas toda a gente foge. Há uma grande confusão instalada. Cada um chama pelos seus, pois, no meio do caos, perderam-se uns dos outros. De repente, começa a ouvir-se uma música, que passa rapidamente a outra, depois a vozes coloquiais, e finalmente a notícias. Alguém tem um rádio, mas não vislumbramos ainda quem, por causa do nevoeiro).

Voz do Rádio
Atenção! Mantenham-se calmos! Repetimos: mantenham-se calmos. Por agora está tudo bem. Foi um falso alarme. Repetimos: por agora está tudo bem. Regressem tranquilamente às suas casas e permaneçam dentro delas até novas orientações. Queremos acreditar que, em breve, todos poderão voltar à sua vida normal.
Vozes várias
Está tudo bem. / Vês? / Eu não te disse? / Vamos. / Que alívio. / Está tudo bem. / Vamos para casa. / Estou bem.
Nina
Mamã?
Napoleão
Verdinho? Verdinho?
Nina
Mamã? Papá?
Cláudio
Cuidado! Não me pisem! Não me pisem! Estou aqui! Aqui em baixo!

(…)

Nota de leitura