Passageiros clandestinos
Fernando Machado Silva
Passageiros clandestinos é um livro de poesia onde a procura do amor se desenha em vários trajectos pessoais – mas também a incessante aventura que é a busca da palavra justa do dizer poético. A língua portuguesa como matéria-prima constantemente renovada.
Excerto
se deus
ou um seu anjo
passar por aqui
escondamo-nos
nas suas barbas.
Nota de leitura
Trata-se de uma poesia marcada pela ironia, que por vezes roça o humor “Eu tenho um problema / sou ligeiramente normal / vendo o mundo ligeiramente nos eixos / nem bem nem mal / fora alguma miopia / gaguez e choros ocasionais”, pela observação do outro e de si mesmo e também por um desencanto às vezes irónico: “enforcava os meus dias entrançando os cabelos / que foste largando nas camisolas / que vestias casacos cachecóis”, outras vezes sentido e comovente: “e se eu estiver a mais / na tua vida já tão cheia / de todas as memórias que me tens / contado e se eu estiver / a menos no teu coração já / tantas vezes magoado / por outros que ainda te habitam”. […] uma linguagem poética sem subterfúgios, clara e directa, mas que gera volume de significação para lá do que é escrito, os poemas são como histórias e relatos, e essas histórias e relatos encerram a visão poética e esta alarga a semântica do discurso. Uma mecânica simples e eficaz, com um tratamento tão distante, quer da monocromia chata que, não poucas vezes, se nos depara, digamos assim, como poesia do real, quer, no outro extremo, igualmente longe das sibilas que, por causa dos vapores de enxofre, não se percebe o que dizem e talvez não digam mais do que os vapores aleatoriamente entregam à adivinha conveniente dos basbaques.
[Nuno Dempster, no seu blogue A Esquerda da Vírgula, 5 de Junho de 2012]