Os Pulsos Fistréticos. Contos Maléficos
João Habitualmente
A escrita de João Habitualmente é contra-hegemónica, pela simples razão de que tem preguiça de andar actualizada nas novas tendências e milita no desconhecimento emancipatório. Os Pulsos Fistréticos não busca novas pistas para a estrutura da narrativa, afasta-se tanto como o seu autor do fetiche da inovação. Procura, isso sim, a singeleza do processo criativo, no estado de escuta que permita capturar a experiência magmática do existir. Interessam-lhe as pessoas, os seus medos e risos, a paixão com que vivem e o mistério da passagem para as vidas não corpóreas – as de cá e as de lá. É dessas reverberações que falam os contos deste livro,, tecidos em volta de gente comum, mas atentos à loucura e ao insólito que resgatam a vida do seu curso enfadonho. Sem ceder à escrita light, Os Pulsos Fistréticos aspira a ser lido mesmo pelas domésticas que ainda não fizeram a recruta em algum dos vários feminismos circulantes.
Excerto
José Francisco era um camponês dos antigos. Tinha suado e sofrido nos pomares da Bretanha francesa, tinha suportado as linhas de montagem fabris em Gelsenkirchen – e, incólume mas roído pela saudade, regressara à aldeia natal, um punhado de casario a boiar no meio da imensidão dos campos transmontanos. Causava-lhe um pouco de tristeza a aldeia de hoje em dia: com muito menos bosta e muito mais gasóleo, sem a chiadeira dos carros-de-bois mas com o ronco dos tractores e das motoretas, com adolescentes pintadas que não cumprimentavam os velhos, invadida de matos porque os jovens já não pegavam na enxada.
Nota de leitura