O Universo & outras Ficções
Carlos Alberto Machado
Um bar de má nota em Dublin. Dois jovens, falhos de trocos, a cabecear amargos de vida com a ajuda de uma garrafa de vinho com sabor a remédio para leprosos. Um desconhecido senta-se à mesa. «Apresento-me: Pierre Menard.» Menard? A personagem criada por Jorge Luis Borges e que tinha a admirável ambição de vir a produzir umas páginas que coincidissem, palavra por palavra, linha por linha, com as de Miguel de Cervantes no seu Quixote? Esse mesmo. «Você», disse este Menard para um dos jovens, «foi escolhido para receber os últimos textos escritos por Borges.» E entregou-lhe uma pasta com um conjunto de folhas: uns papéis dactilografados sem rasuras, com o título O Universo & Outras Ficções. No fim, uma assinatura que devia ser mesmo do Borges.
O que aqui se transcreve é o legado borgeano, tal qual foi o recebeu o jovem embriagado da noite dublinesca. Ah, o jovem, agora narrador, jura que foi fiel ao manuscrito.
Este é o sexto livro de ficção de Carlos Alberto Machado (Estórias Açorianas, 2012, Hipopótamos em Delagoa Bay, 2013, Novas Estórias Açorianas, 2016, O Mar de Ludovico, 2017, e Puta de Filosofia, 2018).
Excerto
Não, não pense que sou louco, disse ele porque adivinhou o meu pensamento, você foi escolhido pela lei do acaso, melhor dizendo, por uma lotaria, que é coisa de “interpolação do acaso na ordem do mundo”. Embasbaquei. Ele aproveitou-se: Você foi escolhido para receber os últimos textos escritos por Jorge Luis Borges. Vou ser breve. Depois de lhos entregar, você fará um juramento em como só os publicará daqui a vinte anos. Eu continuei embasbacado e ele passou à acção. Retirou de uma pasta de couro um pouco volumoso conjunto de folhas almaço com uma capa simples de papel fino castanho e entregou-mo. E agora jure pelo que lhe é mais sagrado que só publicará estes textos daqui a vinte anos. Jurei, a minha mãezinha morra agora mesmo, ele engoliu a jurança e eu fiquei livre de compromissos irritantes.
Nota de leitura
Pequenos divertimentos subtis e desconcertantes, sempre a fugir das nossas expectativas, a trocar-nos as voltas, culminando no brilhante conto que dá título ao volume, sobre um invulgar espólio (minuciosamente descrito) e suas bases para um «Romance-Universo Infinito» impossível de materializar.
José Mário Silva, Actual/Expresso
Editor independente, poeta,dramaturgo e prosador, Carlos Alberto Machado explora neste conjunto de contos algumas possibilidades borgesianas, mas permitindo-se fazê-lo num estilo inteiramente pessoal, mais dado à reinvenção do que à imitação. Um divertimento de fino recorte literário.
Revista LER
São catorze tropelias literárias que se lêem com prazer – o autor tem o dom de desenhar mundos com uma penada, recorrendo a poucas palavras, frases curtas e precisas, e a subtextos crípticos e meta-literários, que adoçam o mistério destas saborosas ficções.
Nuno Camões, Deus Me Livro