O porta-estandarte
Mário T Cabral
Em O Porta-Estandarte (obra escrita e reescrita desde 1986, a última das quais em 2017, ano da morte prematura do autor), revelam-se diversas camadas onde encontramos gravada alguma da história do seu pensamento. Mas o que importa reter nesta obra, é que a harmonia entre Espírito e Natureza parece ser uma ideia retida e aprofundada na maturidade do autor. Mas essa mesma harmonia encontrada pelo filho do Rei e Rainha (personagens da narrativa) não será sentida pelo seu próprio filho (neto, portanto, do Rei e Rainha), que sente a necessidade de regressar ao povo da Ilha das Flores. Nesta fase final da obra, levanta-se, pois, a questão do que será o verdadeiro porta-estandarte. Aquele que finalmente encontra a harmonia fora do seu povo, num modo de contemplação prática que elimina a tensão entre Espírito e Natureza? Ou aquele que pretende regressar e liderar o seu povo? Deve-se procurar a felicidade individual na contemplação ou, como Platão indica n’A República, voltar à caverna e trazer os concidadãos consigo?
Mário T Cabral via o regresso à caverna como uma obrigação moral e política. No seu papel de professor, regressava diariamente à caverna, vindo na camioneta que liga São Mateus a Angra. Chegado ao Liceu, abria todas as janelas da sala de aula pedindo luz. É a luz que aponta a saída da caverna. Paralelamente, ia escrevendo a presente obra, entre tantas outras, seguindo um dos seus horários rigorosos. O Porta-Estandarte é obra de uma vida, escrita por quem foi, nas suas aulas, um porta-estandarte da filosofia nascida na Grécia, tal como preservada pela cultura cristã, e trabalhada por Mário T Cabral numa ilha portuguesa. Cada livro publicado é um reabrir da janela fechada prematuramente em 2017.
O autor merece e, se aceitarmos a sua visão da Criação, todos nós também.
Nuno Martins, do “Prefácio”
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Excerto
[…] ninguém sabe, nem mesmo as sementes, pombas brancas inocentes na crista da onda. Às sementes não se pode fazer perguntas porque, como às outras crianças, não lhes importa responder, divertidas no embalo; e, se respondessem, tirariam da fralda outras sementes, jogo de espelhos perigoso de jogar, a não ser para quem, tal como as sementes, pombas brancas inocentes na crista da onda, não se interessa de ser apenas a espuma da onda em formas esvoaçantes, se vistas de mais perto apenas respingos. No princípio está sempre a alegria, o afã de se juntar, de ser mais do que um, de pertencer. Jogo que é jogo é de jogar, precisa de mais alguém, recebe-se a bola e passa-se adiante, e pronto, está aqui o princípio. Húmus, humildade, conformidade, resignação, imitação do junco. Quem olha para trás transforma-se em sal ou perde o amor. […]
Nota de leitura