O Barrete de Guizos / O Homem, a Besta e a Virtude

Luigi Pirandello

Traduções de Isabel Lopes.

Parceria da Companhia das Ilhas com o Teatro da Rainha.

 

Nestas duas peças, O barrete de guizos e O homem, a besta e a virtude, mergulhamos no tema da “traição adúltera”, entramos dentro de um universo que sendo italiano do sul, é nosso, pleno da sombra apodrecida do puritanismo, da omnipresença da moral religiosa – sim, a dessa igreja que fez da pedofilia uma indústria particularmente perversa intra-muros. Mas tudo se reconduz à “normalidade” por vias ínvias, no Barrete a esposa enganada que delatara publicamente o caso tem de declarar-se louca – por tê-lo feito – para que o marido da amante do marido, Ciampa, não perca a face, em O homem, a besta e a virtude, a gravidez adúltera é resolvida com afrodisíacos num bolo providencial, cumprindo o marido o seu dever sexual já depois da gravidez acontecida, para que a criança que vem seja o fruto aparente de um verdadeiro sémen marital. Duas comédias bem negras sob ponto de vista da amoralidade que expõem nos enredos delirantes que concebem. Um teatro da convenção burguesa mas anti-burguês, que goza com essa sociedade que estabelece a mentira como norma, necessidade, para tudo continuar como era.

Fernando Mora Ramos, encenador.

Excerto

PRIMEIRO ACTO

 

Uma sala em casa dos Fiorìca, decorada ao gosto da província. Porta principal ao fundo; portas laterais à direita e à esquerda, com reposteiros. O cenário é igual para os dois actos.

CENA 1

A senhora Beatrice, a Sarracena e Fana.
Quando sobe o pano, a senhora Beatrice chora, sentada num canapé. A Sarracena, sentada à sua frente, olha-a contrariada.

FANA (indicando a patroa que está chorar) Está contente agora? A sua consciência não lhe diz que está a atiçar uma fogueira, a arruinar uma família?

A SARRACENA (um mulherão encorpado, terrível, à volta dos quarenta; garrida, com um amplo lenço de seda amarela ao peito, e xaile, também de seda azul celeste, com uma longa franja, atado na cintura. Levantando-se) Oh, oh, que raio é que está a dizer? A minha consciência, uma fogueira… Por favor, minha senhora!

BEATRICE (à volta dos trinta, pálida, histérica, toda fúrias e súbitos abatimentos; continuando a chorar) Não lhe ligue… Deixe-a lá…

A SARRACENA  Não, desculpe: diga-lhe que não fiz mais do que obedecer a uma ordem precisa de vossa senhoria.
BEATRICE  Mas é a ela que quer prestar contas?

FANA A mim? Não, minha senhora! Eu sou a criada. Mas a Deus, sim, porque a Deus todos temos de prestar contas!

A SARRACENA (agarrando Fana por um braço e segurando-a) Ah, não, não. Espere, minha senhora! E você também, aqui. Diante de Deus, todos temos uma alma, criados e patrões.
E eu, eu não quero mexericos às minhas custas. E que consciência é a sua: vê esta pobre senhora chorar lágrimas de sangue, sofrer as penas do Inferno e: – «Não é nada: Paciência! Ofereça-o a Deus!» Isso é que é consciência?

FANA  Sim! Sim! Para quem é temente a Deus!

(…)

Nota de leitura

Ficha Técnica

ISBN: 978-89-8828-56-9

Colecção: azulcobalto | teatro #023 | série mundo #001

Dimensões: 14×22

Nº páginas: 160

Ano: 2018 | Outubro

Nº Edição: 139

Género: Teatro

PVP: 12 €

Autor