Na luz inclinada
Nuno Dempster
Obra Recomendada pelo Plano Regional de Leitura dos Açores
Uma poesia que está perto do fazer das coisas de uma certa ruralidade mas que não se deixa aprisionar pelo bucolismo. «Não se pode fugir / com versos que carregam flores da primavera / quando o tempo enche os olhos / de insectos venenosos / sob a aparência de erva tranquila, / como a colina / onde seria bom viver, imaginamos.» (“Antibucólica”). Uma poesia que mergulha igualmente na memória, e que a seu modo faz com a vida, parte da vida, o seu sereno ajuste de contas.
Excerto
O sol não findará nem as
manhãs de primavera
em que a erva se vê crescer,
e a hipótese de a Terra explodir
é coisa que ninguém admite,
só visionários loucos antevêem
cidades arrasadas
à deriva no espaço, transportando
sem destino os seus mortos.
Acabam eras, morrem deuses,
o sonho apunhala os justos,
o amor finda em cada homem ou mulher,
a Terra permanece,
isso sabemos todos. Não sabemos
é que os gráficos têm picos,
que a agulha do planeta,
entre um pico e outro, inscreve
na funda depressão
a leitura final dos vivos.
[“Leitura”]
Nota de leitura
As quatro partes que compõem Na Luz Inclinada remetem para as estações do ano, começando cada uma delas com um poema em prosa ao mesmo tempo introdutório e sintetizador do tom geral dos poemas decorrentes. Esta escolha é reveladora de uma necessidade de organização que talvez se perdesse dado o carácter autónomo de cada um dos poemas, sendo que, neste caso, eles se ligam pela substância e não por uma intenção prévia de desenvolvimento temático. Na realidade, esta recolha de trinta e seis poemas reenvia-nos para os temas predilectos de Nuno Dempster (n. 1944). Quem conheça os seus livros anteriores, por certo não ficará insensível à coerência e à objectividade discursiva de uma poesia que começou a ser publicada tardiamente (2008) mas vai já em oito apreciáveis volumes. Quem desconheça os livros anteriores do autor, tem aqui uma excelente oportunidade para entrar em contacto com alguns dos seus melhores momentos.
[Henrique Manuel Bento Fialho, blogue Antologia do Esquecimento, 24 de Junho de 2014]