Museus
Pedro Eiras
São estórias, sim, mas também textos que procuram uma relação especial entre a materialidade do que se vê e a forma de a dizer, inventar. Por exemplo: «Mosaico, telha, caco que fosse, ainda mal desenterrados, seguiam logo para o museu, que faltava caiar. Ninguém sabia se eram arqueólogos ou salteadores. Nem fazia diferença. Os ossos que tinham conhecido o silêncio dos séculos agora apertavam-se numa caixa de vidro, sob as lâmpadas de halogéneo, para sempre expostos, impudicos.» (“Traslado”) O non-sense, a absurdez daquilo que se vê (e se vive ou viveu) permeiam estes textos, breves, de um autor que tem experimentado, com sucesso, o teatro, a ficção e o ensaio.
Pedro Eiras nasceu no Porto em 1975.
Excerto
MUSEU VAZIO
Depois de uma viagem exasperante (as curvas da estrada deram-nos um nó na barriga), chegámos ao museu e ele estava vazio. Pelo menos foi o que disse a mulher que levava as couves, e que trouxe a chave para nos mostrar.Era verdade. Tinham levado as peças para um armazém «da cidade», o museu ia entrar em obras; mas as obras não havia maneira de começarem, isso aí está assim há um ror de anos, dizia a mulher. Abriu a porta e afastou-se para nos deixar entrar.Que o museu precisava das obras – estava fora de questão. O vento entrava pelas paredes inchadas de humidade. O chão rangia e cedia aos passos. No escuro, depressa, fugiam os ratos.Esquecida na última sala, uma pequena tela a desfazer-se: São Jerónimo, a segurar uma caveira, zelava pelo museu vazio.
Nota de leitura