Muito, menos

Rui Almeida

Este é um livro de atravessamento de lugares e de desatenções mais ou menos controladas. São poemas anotados para testemunho de momentos, talvez uma demonstração da banalidade de qualquer vida.

 

Excerto

Para o Miguel Martins

 

Nós, os preguiçosos, dados ao sonho
Incomportável de uma ferida
Nas sociedades de consumo, somos
Aqueles que se lembraram das canções
Perdidas na falência dos campos.

Nós, feios, carregados de vícios,
Invejados e temidos pelos loucos,
Sem pudor nem glória, silenciados
Pelas visões coloridas, caleidoscópicas,
Que alargam os territórios das nossas tribos.

(…)

 

Nota de leitura

Neste sexto livro de poemas, Rui Almeida reafirma uma voz própria, que a meu ver é mais do que uma voz, é quase uma confissão. Sem pretensões, o título sugere uma certa simplicidade que a leitura depois aprende a desvendar. A estrutura do texto incute um ritmo melódico suave e terno, como se o autor estivesse a tentar acariciar-nos com as palavras. A atenção dada ao pormenor, como se de um acorde isolado se tratasse, faz-nos demorar entre estrofes, para melhor captar a precisão das imagens (ex.: “agora sente cada grão de agora rei a cair”). Muito embora use a segunda pessoa do singular, creio que Rui Almeida nos fala de si próprio neste livro, ou daquele que habita em si enquanto escreve. Em certa medida, conseguimos sentir a maturidade do seu pensamento, bem como uma necessidade de posicionamento face à poesia (“baloiçamos entre uma caixa de ressonância e um pequeno algarismo entre palavras”). O desencanto com o mundo e com os outros faz revelar um sentido crítico que em alguns momentos chega a roçar a frieza, embora permaneça o cuidado de salvaguardar o fundamental (“há quem sofra e se comova, com os dedos esticados, prontos a tocar a beleza”). Reencontrado consigo próprio, o poeta reconhece que “o silêncio resolve alguns equívocos”, dando espaço para uma respiração dupla, primeiro inspiramos o que lemos, depois expiramos o que entendemos. Na verdade, quando “acolhemos as poucas palavras que podem ser sustentadas por mãos vazias”, percebemos que são as nossas, também nos encontramos no que lemos. Depois, há versos que apelam ao olfacto, como por exemplo “o amor não cheira a nada”, o que causa um certo desconforto, como se não fosse verdade. Pelo diálogo permanente com o leitor e dom de interrogação pertinente, concluo que é muito mais ‘muito’ do que ‘menos’, este livro.

Alice Macedo Campos, Blogue Incomunidade [acedido em 11 de Outubro de 2016]

Ficha Técnica

ISBN: 978-989-8592-62-0

Dimensões: 11x15cm

Nº páginas: 52

Ano: 2016, Setembro

Edição: # 090

Género: Poesia

Colecção: azulcobalto # 040

PVP: 10 €

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