Monólogo para uma janela no escuro. Poema dramático
Luísa Freire
Haverá muitas maneiras de olhar este novo livro de Luísa Freire: se «monólogo» é a palavra que a autora escolhe para o título, talvez «poema dramático», o subtítulo, seja a informação mais significativa aqui. Podemos pensar desde logo em Fausto, de Goethe, um dos maiores poemas dramáticos de sempre, mas aqui a estória é outra – e no feminino. Esta é a história de Penélope consigo mesma, na sua própria odisseia da espera, mas se aquilo que ela conta é do domínio da imaginação criativa, essa história paralela do que poderia ter sido, escrita que está em verso, confere à protagonista uma dimensão humanizadora. Em suma, ao tentar perceber interiormente esta personagem incontornável da literatura mundial, Luísa Freire põe-nos, a nós leitores, também diante de «uma janela no escuro», numa fábula poética que é metáfora para o decurso do tempo humano no mundo.
Ricardo Marques
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Excerto
— Diante deste tear teço palavras e tempo.
O silêncio doba os fios
que em versos se desenrolam
e os sonhos em redor
urdem a teia de encanto
(encanto do desencanto!)
que no cansaço das teclas
cresce e
sobra.
(Pausa. Baixa os olhos sobre a secretária e muda o tom de voz.)
— Este é o lugar do pano
que tensa teço e desteço
sem mais fim que o de tecer-me.
(Nova pausa. Olha à sua volta)
— Neste quarto, só paredes,
eu apenas
(ou qualquer TU em meu lugar),
a memória do vento que passou,
a lembrança da água que o levou
e uma janela no escuro.
(Levanta-se e passeia lentamente pelo aposento)
— Aqui não entra noite nem dia.
Aqui não chegam as estações…
Todo o caminho parou onde eu parei.
Nem saída nem regresso.
Nem esperança ou amargura. Apenas isto —
uma janela sem rosto
na moldura que a envolve.
Nota de leitura