Já não gosto de chocolates
Álamo Oliveira
Álamo Oliveira elegeu como tema de Já não Gosto de Chocolates um motivo literário que não é rigorosamente novo, e, à primeira vista, tem-se uma bagatela: um casal e seus filhos emigram para a América, sentem saudades, brigam entre si, amam-se, ficam ricos, The End. Mas quem se der ao trabalho de ler com lápis na mão para assinalar as partes mais queridas, terá, no fim, um volume imprestável de tantos riscos, pois não há página em que não aconteça uma grande descoberta linguística, um soberbo achado estilístico. Seria tudo inútil, porém, se não houvesse, nessas mesmas páginas, momentos de intenso drama humano, e que constituem uma história única, incomparável.
Prefácio: Luiz Antonio de Assis Brasil.
Excerto
Quem se esquecesse de lhe olhar para a alma, concluiria, sem esforço, que Joe Sylvia era um homem feliz. Aquele porte, de asseio e de compostura displicentes, mostrava um homem idoso que teimava em fazer emergir uns restos patinados de juventude: os olhos claros derramando um brilho visível, uma boca generosa com lábios a guardar a prótese dentária, cabelos a luzir de brancura que disfarçavam uma calvície mal gerida e um vestir de tonalidades assumidamente solares. Quem se esquecesse de lhe olhar para a alma…, ou para a sua postura, aos fins de tarde, sentado na sua cadeira de rodas, olhando, através da janela larga do quarto, a paisagem possível da cidade, não concluiria estar diante de um homem idoso feliz. Bastava observá-lo quando tocado por dores crepusculares que lhe vinham da alma, que paravam inevitavelmente na garganta, que o sufocavam com minúcia até lhe alterarem a humidade dos olhos, a contracção dos lábios, o tremor das mãos.
Nota de leitura