Inventário de Frascos | Sombras Calhas
André Almeida e Sousa
“Como é estranhamente bela e simples uma caminhada / O passado passeia sem o saber / A propagação mútua de afinidades essenciais” (SC) Em Inventário de frascos / Sombras Calhas, o poeta é um romântico e um pintor. “Assim vai, corre, procura. Que procura ele? Com toda a certeza, este homem, tal como o representei, este solitário dotado de uma imaginação activa, sempre viajando pelo grande deserto de homens, possui um objectivo mais elevado do que o de um puro flâneur, um objectivo mais geral, que não o do prazer fugitivo da circunstância.” Mas a modernidade d’O pintor da vida moderna de Baudelaire já foi encontrada há muito. Sendo assim “que procura ele?” Talvez nada, a não ser o mundo desdobrando-se em imagens que devora e regurgita num mesmo gesto, como um devorador de fogo.
(Ana Natividade)
Excerto
Lembro-me da excitação que era entrar nalgumas lojas
A maneira desordenada como a luz caía sobre o entulho magnético, separada da rua,
resistindo ainda à subtileza da memória.
Seria a repetição tardia a amargura adivinhada lá fora?
No entanto a acidez congratula-se, também cai sobre o entulho,
agora sim, acumulado sem diletantismo,
parecendo sobrepor-se à sobreposição, se é que me
entendem,
se não,
que se foda.
Nota de leitura