Intimidade

José Dinis Fidalgo

Josefa d’Óbidos, enamorada de uma escrava, o pintor Baltazar Figueira, agente secreto ao serviço do Restaurador, a rainha Dona Luísa de Gusmão, a decisora sempre vigilante, a perfídia e a argúcia de um anão implicado no governo do reino, um bastardo real que ninguém sabe que existe, os marqueses de Nisa, um ministro da actualidade com um ego maior do que o mundo e o seu amante, professor de História e escritor, são algumas das muitas personagens coloridas que povoam Intimidade, o novo romance semi-epistolar de José Dinis Fidalgo que reflecte sobre o despudorado Portugal de agora, ao ficcionar as subtilezas e as vilanias dos acontecimentos que se seguiram a 1 de Dezembro de 1640.

 

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Excerto

(…)

… tão delicada a minha ama e tão zelosa do asseio corporal. Para mim não é grande canseira lavar todos os dias os paninhos alvos com que se resguarda. Não há, neste livro, reza tão prodigiosa que mais me maravilhe do que pensar nas vergonhas dela, tão redondinhas e tão macias, tão recatadas e saborosas. Diz minha ama deverem as portas do prazer ser sempre ocultas, como inocentes de sua mesma existência, mas alerta embora, conformadas como todo o bom soldado para qualquer ataque violento ou apetecido, caloroso ou minguado no ímpeto. Por isso usa ela, às vezes, um véu para salvar o rosto de miradas cobiçosas. Conheço-lhe os brios de ver e os de não ser vista. É voluntariosa Dona Josefa. E mais linda e garrida do que a pomba brava que fez ninho na pereira do quintal. Quando me leva à igreja, sou a cadela humilde que a segue sem espraiar muito os olhos para não ser notada, que é próprio desta minha baixa condição despertar a sanha destes cristãos velhos que querem encontrar e descobrir em todos a mesquinhez que é propriamente sua.

Bendita sejais, Josefa, por me terdes revelado as letras e as suas regras de composição e suas leis e suas artimanhas, suas magias e escuridades, seus triunfos e desejos.

Parece maior o amor que vos tenho, agora que sei escrever que vos quero tanto.

 

(…)

Ser ali inopinadamente abordado por tão improvável requestador deixou verdadeiramente confuso o nosso homem. Não era aquela, de todo, a companhia com que sonhara. Não era um jovem louro, pálido ou rosado, que estava ali à sua frente, mas um homem feito, casado, pai de um miúdo, provinciano desesperado por não o aparentar, ministro aparentemente progressista, mas, no íntimo, sequaz de modelos governativos fundados no poder pessoal, promotor de práticas intimidatórias, nepotistas, propagandísticas. E, no entanto, a mediática criatura encontrava-se mesmo ali, de verdade, respirando-lhe para cima, olfactando-o, medusando-o com a intensidade incontrolada do desejo e Henrique não pôde iludir um deliciado sorriso quando a expressão «um ministro em cuecas» lhe acudiu ao pensamento. Era bizarro e hilariante imaginar assim e, todavia, uma forma ganhou corpo e não era grotesca. Caramba, o homem decididamente gostava de exercício físico. Não parecia apresentar nenhuma flacidez e não era feio. Horror, inconcebível sequer a possibilidade de uma carícia trocada com uma pessoa tão provadamente inculta. Fosse ele mais jovem. Mas não era. E chegava. Começavam a ser alvo de olhares curiosos. O imenso vizinho, o guarda-costas certamente, de um modo muito profissional, quase imperceptível, tinha-os desviado para um lado onde a obscuridade se fazia mais acentuada e onde, como um biombo de massa muscular, os protegia. Contrariando, surpreendentemente, a rejeição que todas as razões aconselhavam, Henrique não tentou pôr cobro à lúbrica investida do homem importante. Como aqueles feios que perdem a compostura perante o mais ínfimo e falso dos elogios, deixou que o atraíssem a notoriedade e a rara oportunidade. Não pesou riscos nem previu consequências. Não recusaria a si mesmo a irrepetível ocasião de verificar o insidioso fascínio, que dizem muito erótico, do convívio com o poder. Além disso aquilo apresentava-se como uma aventura especialmente estimulante. Dissimulação, duplicidade, farsa, teatro, encobrimento, absoluto sigilo e um perfume de cumplicidade no logro, tudo isso estava implícito naquela associação súbita. Estaria a descobrir finalmente a alegria de estar vivo? Saíram. A escuridão da noite surgia-lhe agora mais leve. Não os esperava uma limusina. Nos amores viciados dos grandes (embora a seu tempo este revelasse ser minúsculo), há com frequência uma hipertrofia da reserva, quase uma fobia face ao conhecimento público, que torna perigosíssima qualquer manifestação espaventosa. O professor e o ministro tornaram-se íntimos num anódino apartamento provido das comodidades indispensáveis, a saber, uma banheira, um mini-bar e um aparelho leitor de vídeo. Movia-os uma atracção canalha a que nenhum dos dois tencionava resistir, um por fastio da solidão, o outro impelido pela vertigem da omnipotência. Antes de fechar a porta, o ministro dissera:

— Deixa os sapatos e as meias do lado de fora.

(…)

 

 

Nota de leitura

Ficha Técnica

ISBN: 978-989-9007-32-1

Dimensões: 14x22cm

Nº páginas: 480

Ano: 2021 | Setembro

Edição: # 236

Género: ficção (romance)

Colecção: azulcobalto # 100

PVP: 19,95€

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