Hotel dos Inocentes
Carlos Alberto Machado
Neste Hotel dos Inocentes a realidade nunca se estabiliza: os lugares, os edifícios, a paisagem, os nomes, as pessoas, a história – e muitas estórias. Quem escreve e quem escreve o quê? Quem é “pessoa” e quem é “personagem”, quem está vivo e quem está morto, ou mesmo qual é o verdadeiro Hotel dos Inocentes?… Um jogo vertical de realidades concorrentes: um abismo. A acção desenrola-se em Guervinee, uma pacata vila à beira do Mediterrâneo. Mas não se pode ter mesmo a certeza.
«Como quem fizesse a radiografia a um prédio, ou espreitasse pelo buraco da fechadura, vemos homens e mulheres, segredos, solidões. Como quem confundisse as horas no relógio ou os dias no calendário, atravessamos os tempos confundidos, presente e passados sobrepostos. Assim é Hotel dos Inocentes. Como quem persegue a chave de um enigma, encontramos todas as pistas, mas para abrir qual porta exactamente?»
Pedro Eiras
Carlos Alberto Machado publicou as ficções: O Universo & outras Ficções (2019); Puta de Filosofia (2018); O Mar de Ludovico (2017); Novas Estórias Açorianas (2016); Hipopótamos em Delagoa Bay (2013); Estórias Açorianas (2012).
Excerto
Mergulha na leitura e não há Guervinee que a distraia. Por volta das cinco da tarde, acaba a leitura. Se agora estivesse mais alguém na esplanada e olhasse para o rosto de Margaret veria as grossas e abundantes lágrimas que repentinamente a envelhecem. Não são deste momento exacto de fim de leitura, vieram engrossando o caudal que se iniciou a cerca de um terço das páginas. A reordenação cega e arbitrária que fez não mudou absolutamente nada. O “romance”, ou o que lhe queiram chamar, não se altera, por mais que se lhe troque as voltas, conclui. Cada passo, cada volta, apenas reconstitui o labirinto. Uma descontinuidade. Um palimpsesto. Um sobressalto. Cada página, uma, ene páginas, tem, têm, modelações de ínfimas transformações. É inútil procurar qualquer nexo que seja. Margaret não consegue suster as lágrimas, não tem força para se levantar.
Nota de leitura