Epopeia Mínima
Nuno Félix da Costa
Vale a pena ler o que um poeta escreve sobre poesia?, ou mais radicalmente: vale a pena ler poesia?, ou ainda mais radicalmente: vale a pena ler qualquer coisa que um poeta escreva? Depende. Vamos partir dos seguintes pressupostos: 1) um poeta pensa, 2) um poeta, principalmente, sente, mas também é capaz de pensar, 3) um poeta pensa e sente virtualmente tudo, mas com maior nitidez o que se refere à poesia, à sua poesia, 4) a poesia do poeta filtra o que ele vê das coisas. Assim, vale a pena lê-lo? Depende.
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Excerto
a flauta
Alguns poetas visitaram Hesíodo na sua montanha e
viram-no humildemente inventar os sons soprando numa cana
onde fizera alguns buracos ao azar — sons que ora reproduziam
a esquadria exata do destino ora reduziam as trovoadas
à aguda condição de pegadas e indícios. Era pela repetição
que os fantasmas apareciam com forma e cor e ordem
para a qual foi preciso criar o modo de dizer. A poesia era
o fundo do pensamento enquanto contava as ovelhas — era
o entendimento das pequenas flores que os animais tragavam,
do calor na altitude e do fogo que é a loucura terna que reaviva
as palavras suculentas. Depois de Hesíodo nunca mais
os poetas viram, além das nuvens, o limite que define
uma força nua — a crueldade que é a nudez vingada
de uma rápida evidência que nenhum olhar segura
Implícita na ignorância a flauta de Hesíodo canta
o que revela, o que derruba, o que descobre. O que
louva ou amaldiçoa: tudo segue nos seus indícios
Nota de leitura