O desfazer das coisas e as coisas já desfeitas
Nuno Félix da Costa
A poesia de Nuno Félix da Costa tem qualquer coisa de ascese, de despojamento, conduzindo ao que se poderá considerar uma instância final, irredutível. Propõe-nos um «questionamento radical da nossa condição. E para o fazer há, primeiro, que desimpedir o caminho de toda a tralha que fomos acumulando ao longo de séculos de civilização – de mediações entre nós e esse momento que todos buscamos de um modo ou outro.» (José Lima, sobre Catálogo de Soluções, 2010)
Excerto
As mães morrem sem verdadeiramente desistirem
Sofrem a desnecessidade – um vagar na desocupação
da costura de horas sem destinatário nem utilizador
Não desistem – reescrevem a história da princesa sem
a vida acontecer – O homem foi uma lâmpada fundida
a memória de um hálito que ainda tortura – O vinho não
adocicou a besta lenta na ausência se desfazendo – o pão
do engano – o pão pago no escuro da violência – Ser mãe
cadela e a concubina que espeta palavras nos filhos – Erro
reconhecem sem verdadeiramente desistir – Sofrer de alívio
As vísceras aprenderam a coragem insuportável e gemem
Reviram-se os sonhos de pétalas infectadas num colo largo
Lago de rugas e garras abertas aos canários que sobejam
Alguns ainda lhes sorriem já no voo da despedida
[de como as mães se tornam avós e morrem]
Nota de leitura