O Desejado. Robot Bimby
Jorge Corvo Branco (org.)
Esta colectânea poética surge como o bater da borboleta do robot. No esvoaçar das asas da interrogação de como hoje vêem o Mito do Desejado, aos poetas, escritores e demais, parou-se o voo e lançou-se um desafio/convite na página ÀMARGEM no facebook, a enviarem um poema inédito sobre o tema: D. Sebastião – O Desejado. A este desafio responderam «33» criativas criaturas, oriundas de dois continentes: o africano e o europeu. Ora, para além do número 33 representar o magnetismo, e o Dante dedica, na “Divina Comédia” 33 cantos ao Inferno, outros tantos ao Purgatório e outros 33 ao Paraíso, e o corpo humano contar com 33 vértebras, sem esquecer que é o número atómico do Arsénio. E ao falar no metalóide, lembro serem 33 os símbolos da ordem maçónica onde o 33 é a crista da pirâmide, e lembro que os EUA amassaram Bagdad, no Iraque, situada no Paralelo 33, mais o Irão, que também mora no mesmo Paralelo, não sem antes aquecer Hiroshima e Nagazaki com o terror deixado pelas bombas nucleares, no mesmo paralelo.
Alegremo-nos, pois… a Disneylândia também se encontra no Paralelo 33, Alcácer Quibir: não. Estará aqui a chave da derrota d’O Desejado (?), sem contar que o rei ao morrer não tinha 33 anos, nem o Pessoa, mas Cristo sim, tinha a idade do número místico. Obviamente que o cozinhado tinha de ser um desastre. E aqui entra a função mexer do robot Bimby, para tornar este prólogo uma papa sem fim.
[Jorge Aguiar Oliveira, do Prólogo]
Excerto
Quando era pequeno,
tinha um cavalo de madeira
chamado Sebastião.
Juntos éramos um país:
eu as pernas,
ele o nariz.
Viajávamos meio mundo pela manhã
e outro meio pela tarde.
À noite rumávamos até ao sentimento,
coisa que era só nossa
pois ambos éramos menino-macho:
ele pau, eu nevoeiro.
O tempo passou,
não sei o que lhe aconteceu,
não sei o que me aconteceu.
Quando me sento sozinho
num canto da minha cabeça,
ainda o ouço relinchar.
[F. S. Hill]
Nota de leitura
Mas se há pormenores nesta antologia que marcam a diferença, a epígrafe pedida de empréstimo ao marroquino Tahar Ben Jelloun é certamente um deles. O cuidado gráfico, com uma distribuição equilibrada de imagens assinadas por Jorge Aguiar Oliveira, é outro desses pormenores. Assim como o cromo, a páginas 85, de um Sebastião actual, negro de pele, sentado entre detritos, com um enforcado em pano de fundo e uma ratazana morta aos pés. São imagens de um mundo que o prólogo, igualmente assinado por Jorge Aguiar Oliveira, se encarrega de enquadrar com acentuada acutilância: «A epopeia deste país amaldiçoado de mística espiritual, acarreta nas entranhas o fado fantasma do Destino, continuando ainda hoje a picar os dias. (…) A falida cultura europeia tudo tem saqueado em nome da solidariedade, construindo à socapa o desejo antigo de erguer uma ditadura nacional-socialista, agora travestida de democracia-cristã. (…) Este não nobre, mas, Novo Povo de drogados, em euros, indiferentes a quem são escravos, serviçais dum qualquer ditador mascarado de democrata (coitado do Walt Whitman) dirigem-se às urnas de corda ao pescoço e fones nos ouvidos, surdos pela cegueira, entregando o seu anémico voto, só útil, aos adamastores capitalistas» (pp. 13-17).
A uma poesia do “real psicodelicodoce” envolta “em angústias existenciais” procurou, então, responder-se com uma poesia de rara consciência política. Na mais nobre acepção da palavra, ou seja, uma poesia atenta ao seu mundo, capaz de o reproduzir, acusar, testemunhar, sem se ensimesmar em paisagens interiores melancólicas ou contemplativas e anódinas visões do Para®íso. Pela parte que me toca, é tanto um gosto como um orgulho ter o nome associado a tal objecto.
Henrique Manuel Bento Fialho [blogue Universos Desfeitos, em 7 de Outubro de 2015]