Cidades de bronze
Carlos Costa / Jorge Palinhos
Algo assombra as ruas da cidade. Fantasmas, talvez, mas feitos de pedra. Escondidos em recantos de praças, no meio de ruas e avenidas, há rostos em bronze que nos observam e nos interpelam. São as estátuas que geração após geração vão povoando o espaço público, na ansiedade de registar no tecido frágil do tempo os homens, as mulheres e as ideias que se acredita que poderão fixar eternamente o passado e o futuro do que é ser humano.
Depois de um primeiro encontro, também na Companhia das Ilhas (O Grande Museu da Consciência de Elon Musk, 2023), Carlos Costa e Jorge Palinhos regressam à ilha do Pico com um inusitado conSerto para estátuas – assim mesmo, com S.
Estas Cidades de Bronze começaram por ser um espetáculo que aterrou, na primavera de 2023, numa praça do centro do Porto, pretendendo fomentar o pensamento crítico sobre as estátuas, nos seus aspectos culturais, históricos, simbólicos e estéticos, mas também sobre a relação afetiva e cognitiva que os espectadores estabeleciam com elas, entre a familiaridade, a indiferença e o desconhecimento.
Agora, ao integrar a coleção azulcobalto, a dramaturgia desdobra-se numa espécie de relatório acerca de um evento que correu mal, o que não nos espanta de todo, porque quando já preparávamos esta edição, o Presidente da Câmara Municipal do Porto ameaçou retirar uma estátua do espaço público por a considerar ofensiva da sensibilidade do seu círculo mais próximo.
Enfim, é difícil lidar com estátuas, é que estão cheias de ideias.
VISÕES ÚTEIS
Venda directa – pedidos para: companhiadasilhas.lda@gmail.com
Excerto
PARA: Conselho de Administração da Agência do Futuro
DE: Agentes destacados para acompanhar a Grande Gala das Estátuas do Porto
CONTEÚDO: Tal como solicitado pelos exmos. senhores administradores, vimos por este meio relatar a sucessão de acontecimentos que afetou a Grande Gala das Estátuas do Porto. Este evento, que ocorreu a 23 de maio, e que se esperava que fosse a solução para o problema da arte pública da cidade, teve o triste desenlace que se conhece, mas este relatório pretende trazer luz sobre as razões para aquilo que aconteceu, identificando responsáveis e constituindo-se como documento de aprendizagem da Agência do Futuro, para que no futuro não volte a falhar.
Iremos omitir todos os acontecimentos anteriores e posteriores à Gala, já amplamente debatidos internamente, e também, lamentavelmente, nos media, e focar-nos-emos apenas nos acontecimentos da própria Gala, tanto quanto conseguimos acompanhar.
Refira-se que, à data da realização deste relatório, o registo audiovisual dos factos descritos está disponível em: https://vimeo.com/847937803
O evento ocorreu à hora prevista, com bom tempo, com o cenário montado em torno do estaleiro da estátua da Praça da República, com presença de muito público e, claro, da banda de músicos contratada. O seu exato início foi quando as duas atrizes, vestidas como deusas gregas, surgiram no cimo da estrutura em andaimes, que separava as três estátuas da Gala, e disseram o texto tal como estava no guião.
Nota de leitura