Call Center
Henrique Manuel Bento Fialho
Nesta recolha de pequenas histórias, o narrador escuta personagens reclusas de um mundo burocrático. Call Center é o confessionário onde os paradoxos e as ambiguidades da sociedade de consumo encalham, libertando-se sob a forma prestidigitada do conto. O absurdo surge como solução possível para contradições insanáveis, vidas sem rumo, situações mais ou menos verosímeis que nos fazem crer ser inútil procurar outro sentido para a vida que não seja o de uma desconfiança permanente sobre o doméstico, a normalidade, o lógico.
À actual reedição, revista, acrescentaram-se 10 novos contos: “Em Memória de Stephen Crane”, “Espelhos”, “Fábula da Vida de Cão”, “Gilberto”, “Homem do Machado”, “Impecável”, “Ménage à Trois”, “Nação Barata”, “Rodrigo” e “Telmo”.
Excerto
Ponto assente: vamos morrer. A questão é quando e como. Na verdade, o como não chega a ser questão. Podemos morrer de morte súbita, de morte lenta, de acidente, assassinados, podemos pôr termo à vida. Que importa? A questão essencial é quando vamos morrer. Se esta dúvida nunca atormentou o leitor, ponha os olhos em Adalberto Pirralha. Morreria para saber quando seria o seu momento fatal.
Nota de leitura
Também poeta e bloguista muito activo, Henrique Manuel Bento Fialho tem-se destacado como cultor da narrativa breve ou brevíssima. Em Cal Center, reúne 39 histórias que são como chamadas perdidas, imunes aos rígidos protocolos do realismo vigente. No universo de HMBF, o espelho que reflecte a sociedade partiu-se em mil estilhaços, e é sobre essas arestas de vidro que as personagens caminham, cortando-se e sangrando, mais impulsionadas pelo espanto do que pela revolta, seguindo ainda assim em frente, através do negrume. As incongruências da vida gregária (na família, no bairro, no país) e a entropia social geram uma energia turva que explode através de situações absurdas.
[José Mário Silva, Expresso/Actual, Novembro de 2014]