Baixo-Relevo
R. Lino
A poesia desta autora é de uma intensidade pouco habitual entre nós. Em Baixo-Relevo, podemos perguntar-nos: que raízes e caminhos abre a língua destes versos nas palavras do seu dizer? Que vozes e circunstâncias se acolhem no relevo de cada poema?
Excerto
apontadas para a voz do tempo
as paredes da memória
alimentam-se
das sementes da terra
tão detalhada e rigorosamente
como o movimento das pálpebras;
os ossos da voz rasgam o silêncio das palavras
e é no relevo do tacto
que olham e que dizem
como os destinos da vida
se abrigam sob o gesto da morte
numa terra solar
onde as sombras
têm a veemência da luz.
[Arte Poética I]
Nota de leitura
Esta é uma poesia discreta, esquiva, felina no modo como segue «o movimento dos pássaros» e das coisas, próxima do «silêncio das palavras» rasgado pelos «ossos da voz», atenta aos «leves acasos que acenam», mas também ansiosa por se misturar com «essas terras de aluvião» em que confluem todas as escritas do passado, de Li Po e Bashô a Camões, Sá de Miranda ou Kavafys.
[José Mário Silva, Expresso/Actual]