Aterro
Jorge Aguiar Oliveira
A sucessão de actos em Aterro sugere uma aproximação da literatura ao teatro sombrio e desolador da era contemporânea. No encalço de obras anteriores como Ranço, Jorge Aguiar Oliveira traça uma geografia da decadência e da putrefacção, alicerçada na construção de cenários poéticos poliédricos, escatológicos, apocalípticos, povoada mais pela máquina humanizada do que pela acção humana, esta cada vez mais mecanizada, entorpecida e alienada, agrilhoada a uma nova ética da vigilância, disfarçada de conexão e leveza, dentro da qual tudo o que se movimenta “deve ser domesticado-amestrado logo de início”. O negrume ácido destes poemas, assomado por imagens densas e hostis, ritmos sulfúricos, disrupções sintácticas e morfológicas, coloca-nos perante uma voz irreverente e inquieta, que não só não receia nenhum confronto com o desconforto a que nos obriga como, aliás, parece disposta a assombrar-nos com as suas visões de um mundo em decomposição, feito de despojos poluídos
com a promessa de um progresso triunfal.
Excerto
no aterro da sina
perdeu a mamã
na explosão à sua beira
abandonado
de braços mutilados
o miúdo não mais
sentou o rabo no baloiço
e, o berlinde pràli ficou
inútil no bolso
do resto do tempo
só as joaninhas
continuaram a saltar
à corda
defronte a’olhar
[ MIÚDOS COM AZARES DENTRO ]
Nota de leitura