As Quatro Estações
Mário T Cabral
OBRAS DE MÁRIO T CABRAL
Com desenhos e pinturas do Autor
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É já uma tese antiga, a de que existimos condicionados a um movimento constante amarrado a uma imobilidade permanente, próxima da solenidade. Primavera, tempo da revolução, dos recomeços brutais e das metamorfoses assíduas, cuja força germinadora emana também do ódio com que «o galo novo mata o galo velho». E se o Verão é a estação do vigor, regente de plenitude tal que pode já antever o seu decrescimento, o Outono, por sua vez, fica a postos para o «rodopio senil» e «o terror existe, efectivamente, ao fim da tarde», num impasse entre claridade e nostalgia. Por fim, no Inverno, lugar da cegueira, «luva sem dedos», não sabemos se estamos confrontados com o fim, se com o perpétuo replantio de novos fins. Quatro Estações pode ser lido como um ensaio poético-filosófico, ou entendido como uma narrativa teleológica, onde, sob o manto em que o caos é o denominador comum, os eventos mínimos quotidiano subjazem sempre, como uma eterna sombra, a uma ordem maior do que a sua aparência. Entrecruzando diferentes artérias literárias num pulsar verbalmente intenso, a voz de Mário T. Cabral encara-nos, neste livro, com todo o seu despojo, clarividência, desassombro, fulgor, beleza.
Excerto
«[…] ninguém sabe, nem mesmo as sementes, pombas brancas inocentes na crista da onda. Às sementes não se pode fazer perguntas porque, como às outras crianças, não lhes importa responder, divertidas no embalo; e, se respondessem, tirariam da fralda outras sementes, jogo de espelhos perigoso de jogar, a não ser para quem, tal como as sementes, pombas brancas inocentes na crista da onda, não se interessa de ser apenas a espuma da onda em formas esvoaçantes, se vistas de mais perto apenas respingos.»
Nota de leitura